Quando inundações são alegrias
Prefiro a certeza das lembranças à incerteza do que há de acontecer ou as inundações ao meu alcance, à espera de chuva que, com tardança, haverá de cair. Era assim, no meu tempo de menino: as águas das enchentes do rio Paraíba, em Pilar, inundavam o sítio, o quintal da minha casa. Sonhava com aquela visão maravilhosa: as mangueiras mostravam suas copas de fora; e concorria com elas a alta e frondosa barriguda, que não parava de soltar suas sementes aladas; desapareciam as bananeiras e até as baixas laranjeiras e os pequenos coqueiros. A alegria não era tanto a inundação, considerando que o rio parecia vir à minha casa, convidar-me para tomar banho, ali, pertinho, distante do perigo da sua correnteza.
À boquinha da noite, tia Dulce aproveitava aquele cenário para substituir as histórias de Trancoso pela a do dilúvio: Noé com seu grande barco, fazendo o milagre de juntar, num mesmo salão, bichos ferozes, gente como a gente, leões, onças, cachorros selvagens, gatos, ratos, cobras e lagartos. Mas, depois que a pombinha trouxe o ramo de oliveira, dando sinal de "terra à vista", e os animais, descendo da nave, pisaram no chão, a briga voltou ao normal, sobretudo entre os homens... A moral da história era que inundação, no sítio, não era castigo, como o dilúvio; apenas muita chuva e muita água que não passavam de um aviso, incomparável com o dilúvio, o verdadeiro castigo que não deu alegria, mas medo.
Temor, quase como nas inundações que derrubam as pontes, invadem as ruas e entram nas casas, matam gente e bichos. A inundação do rio da minha infância entrava, devagar, no meu quintal, sem violência, avisando que estava chegando, quase como se estivesse batendo na porta , antes de entrar. Não resta dúvida que ela passava um pouco dos limites, mas tudo dentro da normalidade da natureza. Enfim, causava-nos alegria; e também à tanta gente que reclamava a falta d'água; imagine isso no sertão, onde não havia falta d'água, mas a famigerada seca, quando e aonde as inundações são sempre bem-vindas! Mesmo sendo alegria, num alegramento é bom que haja equilíbrio e moderação; o excesso do gozo enfarta, o que seria a alegria com consequências contrárias à continuação da alegria.
Prefiro a certeza das lembranças à incerteza do que há de acontecer ou as inundações ao meu alcance, à espera de chuva que, com tardança, haverá de cair. Era assim, no meu tempo de menino: as águas das enchentes do rio Paraíba, em Pilar, inundavam o sítio, o quintal da minha casa. Sonhava com aquela visão maravilhosa: as mangueiras mostravam suas copas de fora; e concorria com elas a alta e frondosa barriguda, que não parava de soltar suas sementes aladas; desapareciam as bananeiras e até as baixas laranjeiras e os pequenos coqueiros. A alegria não era tanto a inundação, considerando que o rio parecia vir à minha casa, convidar-me para tomar banho, ali, pertinho, distante do perigo da sua correnteza.
À boquinha da noite, tia Dulce aproveitava aquele cenário para substituir as histórias de Trancoso pela a do dilúvio: Noé com seu grande barco, fazendo o milagre de juntar, num mesmo salão, bichos ferozes, gente como a gente, leões, onças, cachorros selvagens, gatos, ratos, cobras e lagartos. Mas, depois que a pombinha trouxe o ramo de oliveira, dando sinal de "terra à vista", e os animais, descendo da nave, pisaram no chão, a briga voltou ao normal, sobretudo entre os homens... A moral da história era que inundação, no sítio, não era castigo, como o dilúvio; apenas muita chuva e muita água que não passavam de um aviso, incomparável com o dilúvio, o verdadeiro castigo que não deu alegria, mas medo.
Temor, quase como nas inundações que derrubam as pontes, invadem as ruas e entram nas casas, matam gente e bichos. A inundação do rio da minha infância entrava, devagar, no meu quintal, sem violência, avisando que estava chegando, quase como se estivesse batendo na porta , antes de entrar. Não resta dúvida que ela passava um pouco dos limites, mas tudo dentro da normalidade da natureza. Enfim, causava-nos alegria; e também à tanta gente que reclamava a falta d'água; imagine isso no sertão, onde não havia falta d'água, mas a famigerada seca, quando e aonde as inundações são sempre bem-vindas! Mesmo sendo alegria, num alegramento é bom que haja equilíbrio e moderação; o excesso do gozo enfarta, o que seria a alegria com consequências contrárias à continuação da alegria.