O GENERAL FAVALLI E O PEIXE DO MEU PAI

O GENERAL FAVALLI E O PEIXE DO MEU PAI.

Muitos contemporâneos meus conheceram o General Favalli. Expansivo, mostrava grande entusiasmo por tudo que fazia e passou à história de São Vicente como uma figura meio folclórica, e virou nome de rua do bairro Vila São Jorge, em São Vicente. Mas antes de ser conhecido como ilustre vicentino, ainda coronel, Favalli foi comandante, amigo e companheiro de pescaria de meu pai nas costeiras do Forte Itaipu. Cada vez que pretendia pescar, nosso General avisava meu pai e praticamente o escalava para uma pescaria. Meu pai conhecia todos os pesqueiros, conhecia os locais e as marés mais favoráveis para cada espécie de peixe. Conhecia onde era mais provável de apanhar garoupas e quais pontos que se podia fisgar um sargo de beiço ou de dente, um peixe galo, um robalo, uma tainha.

Pescar é uma arte que requer uma paciência chinesa, concentração total, sensibilidade nas mãos, precisão na fisgada, saber a hora certa de puxar a vara e o momento que é preciso deixar o peixe cansar. Até para remover o peixe do anzol é necessário habilidade, de modo a não ferir demais o animal e nem deixa-lo voltar para a água. Como morava na Fortaleza há mais de quinze anos e pescava quase todos os dias, o Capitão Miorim, na época segundo tenente, tinha paciência e concentração de sobra, os outros atributos adquirira na prática. Não era o melhor pescador do mundo, mas raramente voltava “sapateiro”, termo usado quando se retorna de uma pescaria sem um peixe sequer. Ao contrário do Coronel, que, era apaixonado na época por pescaria, mas dono de menos habilidade, digamos, pesqueira, e muitas vezes escolhia um ou dois dos exemplares pescados por meu pai e dizia: “-Miorim me desculpe, mas esses eu vou levar!” Fora dos quartéis eram amigos de verdade, tinham uma relação de igualdade, e sempre repartiam o produto da pescaria em partes iguais.

“-Miorim, sábado vamos pescar!”. Nunca esqueço aquele entusiasmo no falar próprio do nosso saudoso General. Meu pai respondeu que iria, mas o mar não estava favorável devido à maré alta que tornava inacessível os melhores pesqueiros. E avisou que tinha que trazer peixe para casa devido estarmos recebendo uns parentes do Rio Grande do Sul. O Coronel concordou.

Sábado, seis horas da manhã, Coronel Favalli e seu motorista, em um jipe do exército, bateram lá em casa. Meu pai pegou as tralhas de pesca e, amarrou as varas no veículo, sentou ao lado do coronel no banco dianteiro, pois não havia espaço devido no banco traseiro, ocupado por iscas, maletas de pesca, etc. Era um dia chuvoso e frio, mas por insistência do coronel, prosseguiram na firme intenção de pescar. Andaram bastante sobre as pedras da costeira até definirem um lugar que era possível jogar suas iscas na água e aguardar as fisgadas. Que não vieram. Mar grosso, batendo muito, vento, chuva e nada de peixe.

Lá pelas duas horas da tarde, cansados e frustrados, já resolvidos a voltar para casa, meu pai lança ao mar sua última isca. Enfim, uma fisgada boa e, depois de alguns minutos uma bela tainha. Ao ver o peixe, coronel se animou todo e logo tirou o bicho do anzol, passou uma cordinha nas guelras e avisou: “-Miorim, esse é meu!” Como resposta meu pai lembrou o que havia sido combinado, respondendo: “-Sinto muito coronel. Posso tentar pegar outro peixe, mas esse é meu, estou com minha irmã em casa prometi um peixe no almoço de amanhã.” Favalli amarrou o peixe na cintura e embarcou no jipe ao lado do motorista. Para limpar os peixes, meu pai tinha uma baioneta com só metade da lâmina, afiadíssima. Sentou ao lado da janela ao lado do Coronel Favalli, Entre eles, a tainha na cinta do Coronel. E a baioneta do meu pai. Aos poucos, aproveitando o balanço do jipe e com muita habilidade, Capitão Miorim cortou a cordinha que ligava o peixe ao coronel. Por estar apoiada no banco, a tainha ali ficou.

Chegados à minha casa, meu pai desamarrou seu material de pesca e, ao se despedir do Coronel Favalli passou o dedo na guelra da tainha, dizendo: “- Coronel me desculpe, mas vou levar meu peixe!” Ato contínuo puxou a bicho e se despediu do seu amigo. Favalli ficou muito bravo, mas acabou aceitando. E continuaram sendo bons amigos e parceiros de pescaria. Sempre que se encontravam, lembravam-se do fato e algumas vezes ouvi o General dizendo que meu pai lhe devia uma grande tainha. E riam muito. Paulo Miorim 13/04/2018

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 13/04/2018
Reeditado em 01/10/2020
Código do texto: T6307457
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