OS TRES URROS DA FERA

IRATI.14/05/2005



Ah!...Se aquela olaria não tivesse queimado e aquêle seu apito soasse como antes,forte como urro de fera,e se a minha vila não tivesse mudado tanto,se eu não tivesse vivido tanto,juro que seria submisso ao "urro" das cinco da madrugada,pularia da cama,meio sonolento,e entre os cones de feno pelos quintais,despertaria os primeiros bem-te-vis aninhados no pé de chorão.
Pisaria as ameixas que restaram do banquete dos sanhaços e aquêle cheiro doce me entorpeceria a alma e os eucaliptos da minha rua não me iriam ver passar porque nêste dia,obedecendo ao meu decreto,não haveria aula na escolinha das Gaspar.
As chaminés das casinholas lançariam uma fumaça azulada num céu de ouro e cachorros vadios,enovelados em ressacas de boemias caninas,nem se dariam ao trabalho de levantar-se.No cumprimento de seus deveres,tão somente um latido chôco para a charrete que seguiria a caminho da cidade,carregada de leite,requeijão e queijo.A bodega de dona Tuta se abriria para o sol!...E seria um novo...Um lindo dia!...
Ah!...Se o incêndio não lhe tivesse devorado,e o tempo não tivesse passado,você "urraria" às dez e meia e traria o bom velhinho sorveteiro com aquela sua gaiota colorida e a piazada correria até a ponte do rio das Antas e trocaria garrafas por sorvetes.E as águas do rio uma vez mais a cruzariam e límpidas lavariam o seio das avencas;saciariam a sêde do animal condutor do sorveteiro.E os sorvetes saciariam a nossa sêde de sonhos,de esperanças...Então,ouviríamos a voz trêmula do velhinho enquanto tomávamos sorvetes feitos com maestria pela mais famosa sorveteria da cidade.
Ah!...Se isso tudo não fosse apenas "imagem congelada" de um tempo que ungiu amizades ao sabor de groselha,na cabeceira de uma ponte que hoje assiste a passagem tristonha de águas poluídas que não conhecem avencas.

Ah!...Se as chamas lhe tivessem poupado,se o tempo não tivesse passado,um "urro" às dezoito horas teria acordes de toque de recolher e pelas ondas de rádio um padre diria que chegou a Hora do Ângelus..."E o verbo se fez carne e habitou entre nós"...Mãos fechariam janelas...Cabeças se inclinariam em sinal de respeito e com "olhos de penumbra" seriam agradecidos por mais um dia...

Joel Gomes  Teixeira