Velhinha
Sempre ali. Quietinha, sentada nas proximidades da televisão que a pajeava; era ela e sua babá eletrônica, que ninguém de carne e osso tinha muito tempo pra ela não.
Dia após dia, acordava com o papagaio doidão que a divertia um pouquinho, via os outros programinhas chatos da manhã e na sequência o futebol que preenchia a hora do almoço.
À tarde, as crianças mudavam pra séries – em inglês – e isso era a tarde toda, todas as tardes, até anoitecer: Rachel Green, Joey Tribbiani, Leonard Hofstadter, Sheldon Cooper, Murdoch Mysteries e muitos outros mais, legendados, mas em inglês falado, claro.
E dia após dia, inglês / Futebol / Inglês.
Um dia, algumas pessoas conversavam na sala (não com ela; quase nunca com ela) e o assunto recorrente era futebol, do nada a velhinha disse baixinho e sozinha “Citadini, joga nada. Cara de cansado, chuta com um pé só e não marca ninguém, finge que marca, mas não marca”. Olharam sem compreender, e ficou por isso mesmo. Pouca atenção, embora muito bem cuidada, era a regra.
O tempo passou – uma tarde de abril as crianças batiam um papo em inglês, alternando frases, conceituando músicas, alinhavando sentimentos, aí alguém empacou em uma frase que a velhinha candidamente completou “We made these memories for ourselves”.
E assim descobriu-se que ela já curtia Ed Sheeran e mais, detonava no inglês. Quer saber.