De lugar nenhum

Minha mãe me levava para o shopping quando ela queria comprar roupas novas, eu devia ter uns três anos de idade, é o mais longe que consigo rebuscar nessa minha memória esburacada, mexia naqueles computadores que eu sempre chamei de "tela tubão" como até hoje ela conta orgulhosa: "Batendo as mãozinhas em cima das teclas com força"

-Minha filha ainda vai trabalhar nesses computadores.

Depois de certo entendimento, eu comecei a questionar se meu destino era ser vendedora da C&A...

Ai veio a paixão por toda essa coisa de design gráfico, e escrita, a diferença entre escrever a base do papel e caneta, para digitar as 5 da manhã em um notebook era no minimo maravilhosa.

E foi desse jeito ai, continua sendo assim.

A gente sempre foi muito ligada, e eu preenchi muitos setores da vida unica e exclusivamente com a minha mãe, ela sabia e ainda sabe o numero que eu calço, minha fruta preferida, a dosagem do meu remédio para as crises de asma e a posição que eu gosto de dormir de cama de solteiro, cama de casal, ou rede...

Minha mãe sempre soube muito, e eu era infinitamente a sua maior admiradora, quer dizer... Eu queria viver para ela, ser ela, uma copia, voltar para dentro do mesmo corpo, "desnacer".

Ai eu resolvi nascer pra fora dela, vinte e três anos depois, antes que as circunstancias me abortassem para um mundo totalmente desapropriado e sujo ao qual eu não conseguiria sobreviver.

Minha mãe até hoje não se acostumou com o fato de eu ter crescido e não ser mais ligada pelo cordão umbilical invisível que existia quando ainda morávamos na mesma casa.

Até hoje eu sinto aquele calorzinho no peito que me faz lembrar do tec tec que minhas mãozinhas faziam nas teclas, o mesmo tec tec que fazem agora enquanto eu conto nossa história.

Eu nunca mais fui de lugar nenhum, nem mesmo dela...

Ana Karolina
Enviado por Ana Karolina em 31/03/2018
Código do texto: T6296213
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