UMA CRÔNICA PARA A PÁSCOA
O empresário e "homem de Deus", tira da garagem seu Chevrolet Cruze do ano, aciona o controle remoto que fecha o portão, e sai com o carro, a deslizar suave pela rua de sua casa até o cruzamento com a grande avenida. No semáforo que acaba de fechar, Juca, o flanelinha, vislumbra no dono daquele carrão bacana os dois reais que lhe faltam para o café da manhã, porque dois ele já conseguiu até ali. Apressa-se em limpar o para-brisa, caprichando no serviço para merecer a paga. Mas o sinal já vai abrir e o homem se mantém impassível no interior do veículo, parecendo ignorar a presença do menino com a mãozinha em concha, a espera de alguma recompensa.
Sinal verde. O homem acelera forte e arranca! Juca vê a lateral prateada e os vidros insulfilmados do imponente veículo deslizarem ante os seus olhos, enquanto desfaz da mão a concha e recolhe, em desânimo, o bracinho descarnado.
Não foi desta vez. Mas Juca se recompõe e espera o sinal fechar, para mais uma tentativa. Haverá de conseguir o do desjejum e, com um pouco de sorte, ao final da manhã levar algo de comer para a irmãzinha que confia nele.
Marciano, um pedreiro que trabalhou muito tempo de empregado em construtoras e agora trabalha por conta própria, chega ao cruzamento, com sua velha picape, no exato momento em que o sinal fecha. Ao ver o menino, um filme lhe vem à mente, pois lembra da própria infância, quando também tinha que se virar para ajudar no sustento da família, pobre e numerosa. Juca acaba de limpar o para-brisa, mas nem espera nada do motorista, a julgar pelo estado do veículo. Quando vira para se afastar, pois o sinal vai abrir, Marciano o chama e coloca-lhe na mão dez reais.
O menino acena-lhe em agradecimento, ajoelha-se na calçada e ergue as mãos para o céu! Já garantiu o seu café e a irmãzinha não ficará sem almoço no domingo de Páscoa.