MEU ENCONTRO COM EDIR MACEDO

Moro no interior, mas resolvo muitas coisas na capital, onde morava até há pouco tempo. No dia de ontem, 30 de março de 2018, levei meu carro para revisão de rotina numa conhecida oficina em Belo Horizonte. Deixei o carro combinando de voltar à tardinha para pegá-lo. Fui a alguns lugares que eu tinha que ir na parte da manhã. Na parte da tarde, como não tinha nada para fazer, entrei num shopping. Dei uma passeada e vi os cartazes que anunciavam os filmes do dia. Chamou a atenção o NADA A PERDER, que já tinha ouvido comentários, mas não sabia que estava nos cinemas. Estava em duas salas, a de número 1 e de número 4. Dirigi-me à bilheteria, tinha tempo para a primeira seção e não tinha fila e nem qualquer movimentação. A mocinha estava ainda iniciando seu trabalho e entrando no sistema. Eu queria a seção que iniciaria 15 minutos antes da outra, mas o sistema ainda não a tinha liberado. Então ela me ofereceu a seção seguinte, da sala 1, falando que tinha poucos lugares vagos, pois uma igreja tinha comprado quase toda a lotação. Disse-lhe que tudo bem, e perguntei por perguntar se ela pertencia àquela igreja. Para surpresa ela disse que sim. Então falei que eu ia assistir o filme por curiosidade, que eu não tinha religião. Comprei o ingresso para a sala número 1 e fiquei passeando ainda pelo shopping.

Quando, uns 10 minutos antes de começar a seção, me aproximei da entrada do cinema, uma senhora se aproximou e perguntou se era eu que queria ingresso para a sala 4. Pareceu-me a gerente. Com a minha resposta afirmativa, ela falou que tinha liberado a sala para mim e que eu poderia acompanhá-la que o filme ia começar. Tudo bem, eu a acompanhei e entrei na sala que já estava semi-escura. Observei que não tinha ninguém na platéia... Tudo bem, pensei, deve ser aquele pessoal que está na fila e eu passei na frente. Escolhi um local um pouco atrás do meio, sentei, o filme começou e a minha "anfitriã" que tinha esperado eu sentar, desapareceu. Acreditem, assisti ao filme sozinho, ninguém para me acompanhar. Depois fiquei sabendo pela TV que naquele dia era a estréia do NADA A PERDER contanto a história do Bispo Edir Macedo.

Durante a semana tinha acompanhado a série O MECANISMO na NETFLIX. Era a história da Lava Jato romanceada e muito bem articulada, uma série e tanto, onde se confundia a ficção com a realidade. Quer dizer, pouca ficção, só o suficiente para dar "liga" à história... Filmado em vários locais, com excelente interpretação dos artistas, técnicas cinematográficas inéditas para o Brasil, em resumo: um filme imperdível mostrando a cara da lava-jato, baseado em fatos reais.

Com o NADA A PERDER no cinema também tive esta impressão. O cinema nacional amadureceu, ou está a amadurecer. Técnica de filmagem impecável e excelente interpretação, apesar da senhora esposa do Bispo não envelhecer com o tempo... (técnicas de envelhecimento que ainda temos que aprender com os medalhões).

A diferença de um filme para o outro é que o da LAVA JATO foi escrito, filmado e produzido por terceiros, não pelos envolvidos, portanto tem maior proximidade com a veracidade dos fatos. Já o do EDIR MACEDO foi a história contada e produzida por ele. Portanto, colocou os fatos sob a sua ótica e interesse. Belo filme, apesar disso, boa técnica e em conformidade com o conhecido marketing da UNIVERSAL.

Aliás, se formos observar as pessoas que foram assistir o filme nessa estreia, são as mesmas que frequentam os templos e, pelas vestes e semblantes, na sua maioria, são gente com a aparência e simplicidade de nosso povo sofrido. Este povo disputado por políticos e pastores, e que os sustentam ou os mantém no poder a troco de promessas...

No filme, além da bela esposa do Bispo não envelhecer, algumas falhas de "carater" pude observar. Tem uma hora que uma mendiga esfarrapada entra no templo com um recém nascido no colo e entrega a criança no colo da esposa do Bispo, dizendo que era para o casal criar. O Bispo pergunta se ela tem consciência do que está fazendo e ela diz que sim,que ela e o marido eram moradores de rua e não tinham condições de criá-lo. Nesse momento o Bispo levanta a criança aos céus e diz: acaba de nascer Moisés! Os fieis aplaudem, muitos não contém as lágrimas. Imagino que na sala de cinema ao lado muitos choraram nessa cena. Na minha interpretação foi ato falso, hipócrita. Pois, se real, estava cometendo o crime de separar um filho da mãe. O certo seria dar condições da mãe e seu marido trabalharem, ter uma vida digna e sustentarem o filho, mesmo que trabalhassem com serviçais no templo ou na casa de algum de seus frequentadores. Ato falho, no meu entender.

Uma coisa tenho que concordar, o Bispo não foi mentiroso e nem cretino. Não escondeu coisas de sua história, por exemplo, as prisões. Só que se colocou sutilmente como vítima, tipo que foi crucificado injustamente e que seus fieis foram solidários e o número de seus seguidores e filiais cresceram. Na compra da RECORD negociou com o Sílvio Santos que se não pagasse qualquer das prestações, o negócio estaria desfeito sem direito a reclamar do que tinha pago. Aparece ele pedindo arrego ao Sílvio Santos, por não ter honrado com o combinado. O que o salvou foi o Plano Collor com o confisco das poupanças. Daí ele conseguiu saldar o débito da compra do canal e também conseguiu que o Collor aprovasse a sua concessão. Pode ser a verdade, e até acredito que seja, mas se houve confisco de poupanças, de onde ele tirou o dinheiro para essa compra? Ficou no ar, mas para os expectadores, sensibilizados e a deixarem cair as lágrimas, foi mais um milagre.

Por falar em milagres, aparece uma única cena de exorcismo. Uma mulher possuída, está a debater-se no chão, e o Bispo chega, todo calmo, e só fala, de maneira bastante educada, para a entidade sair daquele corpo em nome de Jesus. E o danado do capeta sai e a mulher, seu marido e filha passam a fazer parte da obra. Acredito que a tal entidade também passou a seguir o Bispo, encontrando nele um chefe de alta hierarquia (observação e ironia minha, autorizo passarem a borracha...).

Muito poderia falar da mensagem dessas duas espetaculares produções cinematográficas, acima dos padrões nacionais, mas vou me resumir. Tanto na política corrupta quanto na hipocrisia da crença, o humano tenta subjugar e escravizar o humano, usando a lei do mais forte, ou talvez a lei do mais esperto.

Como bem acentuou Thomas Hobbes: O homem é o lobo do homem, copiando de uma antiga frase latina "homo homini lupus".

Armand de Saint Igarapery - Textos no Face e no Recanto das Letras