A Procissão dos Defuntos de Barbacena

 
Aleluia, é  a Semana Santa! Domingo de ramos, sexta da paixão, sábado de aleluia, domingo de páscoa e toda teatralidade que firma o cristianismo.
 
Bom mesmo era quando o atavismo das Minas se fazia pelo catolicismo de nossas montanhas: durante toda a semana havia quermesses, procissões, santas fantasias e o Sermão das Sete palavras daquele padre lá na Igreja da Boa Morte. Boa Morte? Perguntava aquele casal amigo que viera de São Paulo.
 
Coisas de Minas, uai! Aqui transformaram até  a Morte em boa e só mineiro para entender  isto. Ou melhor, é coisa exclusiva de Barbacena – Cidade de Loucos! Já sei o que todo barbacenense está pensando agora ao ler isto. Está fazendo beiço e soliloquiando:
 
- Doido é quem vem de fora! Barbacena é um ‘trem bão’  de se morar (assim dizem os populares, enquanto os ‘beletristas’ afirmam que é ‘nobre e mui leal de tão ilustre e bela’. Aqui tem... e assim começam, populares e doutores,  o rol de aparentes benesses para  consolar o seu íntimo e orgulho feridos.
 
Ah, e havia também aquilo que todo estudante adorava e pensava no suposto motivo da santidade daquela semana:  a SEMANA SANTA era toda de feriado!  Não havia nenhum dia de aula nas escolas para as famílias se prepararem para a contrição religiosa. A contrição religiosa e a língua serpentil das beatas. No teatro da procissão, que saia de uma  igreja e passeava pelo centro da cidade, rezavam piamente e cochichavam malignamente: “está vendo aquela ali vestida de Marta, a que lavou os pés de  ‘Noss Sinhô Jisuscris’?  Aprontou no carnaval! Tava lá no Clube vestida de havaiana. Todo mundo passava a mão naquela ‘indecensa’ toda.
 
E é assim que o cronista lá do tempo passado relatou a lenda criada por estas línguas que bendiziam ao Senhor e inventavam histerias para falar do alheio.
 
Murilo Minicone*  em sua Crônica das Assombrações de Barbacena descreve a  procissão dos mortos vista por duas irmãs que sempre vigiavam a rua central de  suas venezianas. Isto mesmo! Coisa vintange  eram nossas casas com janelas de venezianas. O vento entrava assoviando pelas mesmas frestas das  quais todos vigiavam a rua. Foi o caso destas irmãs. Naquela época vigiava-se a rua por estas janelas, que câmeras modernas o quê?!  A sociedade sempre foi panóptica e neurótica! Que o diga Foucault.
 
As tais irmãs diziam que ao levantarem de madrugada ouvia rumores na rua durante a semana santa. Ao espiarem pelas gretas da janela viam em santa  procissão os defuntos que há muito já estavam enterrados no campo santo da Igreja da Boa Morte. E assim todos os cidadãos daquela época espreitavam para ver a Procissão das Assombrações.
Ah, se não viam é porque não tinham fé, pecaram... Mesmo  morrendo  de medo diziam que viram e  aguentaram  a vigília para ver o espetáculo.     Juravam  pela “virge Mari”.
 
 Esta lenda faz lembrar os defuntos insepultos de Incidentes de Antares de Érico Veríssimo.     As brumas  que fantasmagorizam qualquer sombra no inverno de Barbacena é o melhor cenário para o imaginário coletivo criar  suas lendas e contar causos à beira de fogueiras ou fogões à lenha naquela época romântica.
 
Já muito se escreveu sobre o atavismo mineiro ter recebido o crivo da Pedagogia do Barroco. Esta cultura se faz  através do medo e que vai além das artes plásticas (arquitetura, pintura e escultura), da música e do teatro. O barroco é a marca do  mineiro que invade o seu imaginário e teatraliza o cotidiano causando vislumbres, suposições, assombrações. E transforma costumes em ritos.

 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 13/03/2017

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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 30/03/2018
Reeditado em 21/04/2022
Código do texto: T6294858
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