A lógica do menino (O menino volta a perguntar)

O menino levantou cedo, entrou na cozinha, o pai tomava café.

__ Pai que dia é hoje? __ Perguntou.

__ Hoje é domingo, não está vendo que eu estou em casa?

__ Ontem você ficou em casa e não era domingo.

__ Fiquei, ontem foi feriado.

__ Então, não é só de domingo que você fica em casa.

__ Não, filho, não é só de domingo que eu fico em casa. Você tem razão.

__ Pai?

__ O que é?

__ O que é uma ré? __Filho, depende do contexto, o que exatamente você quer saber?

__ Eu queria saber o que era uma ré...

__ Agora não quer mais?

__ Quero... , pai o que é um contexto?

__ Bem, o contexto depende do lugar.

__Que lugar?

__Filho, você está me confundindo. __O pai falou irritado.

__E você está igual a minha mãe, nunca responde o que eu pergunto.

__Bem, vamos lá.

__No contexto? __Perguntou o menino animado.

__Não, filho. Na ré. Ré pode ser o feminino de réu, o sujeito de um processo judicial...

__Não é disso que eu quero saber. Eu quero falar da jaca com ré que dá jacaré.

__Ah, isso ainda, filho... __Falou o pai desanimado.

__ Benhê, chama o Teo aí. __Gritou para a esposa.

__ Eu não quero ir.

__ Então vamos nos entender.

A campainha tocou e o menino foi atender. Abriu a porta e ficou olhando para o primo parado na porta de cabeça baixa.

__Quem é, filho?

__ É o Cel.

__ Entra aqui, Cel. Vem tomar café conosco, você anda sumido... __O sobrinho entrou se debulhando em lágrimas.

__ Vem contar para o tio o que aconteceu.

__Tio, o Teo me xingou de preto.

__ Teo?? Por que é isso?

__Ele me xingou de magrelo. __ Justificou o menino.

__Magrelo não é xingar. Você é magro. __ Argumentou o pai. E acrescentou: __ Por um acaso você é gordo?

__Não, eu sou magro, mas não sou magrelo, grelo, gré-lo. Não gosto de grelo, arreganha a boca para falar.

__Filho, não muda de assunto. Nós estamos falando do Cel... __O pai queria resolver o assunto. __ Eu sou magro, se ele não me xingou... Ele é preto, eu não xinguei ele. __O pai apreciou a lógica do filho. __Não, não xingou. Só não se referiu a ele de maneira correta. O Cel é afrodescendente.

__Des, desse, desse o que? __O menino tentava entender.

__Descendente, ele é descendente de pessoas que vieram de longe, de muito longe.

__De onde?

__De um lugar chamado África, um outro continente...

__Conti o quê?

__Continente.

__Pai...

__Chega, eu não sei explicar pra você o que é um continente.

__Não precisa, eu sei o que é um continente. É outra coisa que eu quero saber...

__Pergunta, se eu souber...

__O que eles vieram fazer aqui?

__Vieram trabalhar. O Cel é descendente de gente muito trabalhadora.

__E eu?__ Perguntou o menino.

__Você também. Seus bisavós vieram de muito longe, de um lugar chamado Europa. Um outro continente e vieram para trabalhar. O povo brasileiro é muito trabalhador.

__Eu sou brasileiro?

__É, filho, você é brasileiro, o Cel, também é brasileiro. Todas as pessoas que nascem aqui, são brasileiras.

__O Cel é brasileiro afro descendente e eu sou só brasileiro? Ele é dois e eu sou um só? __Perguntou indignado.

__Filho, acho que ouvi sua mãe te chamar...

__Eu não ouvi.

__Mas eu ouvi, corre lá.

__Por que eu tenho que sair correndo quando ela chama?

__Por que ela é a rainha do lar.

__Ah...

Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 29/03/2018
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