O passarim da vizinha
 



     1.  A filha do meu vizinho, a Jovita, bonita paca, criava um saltitante e cantador canário belga. Passarinheiro juramentado, eu adorava o alegre passarim de minha jovem e tímida vizinha.
     
2.  Despertava, todos os dias, ouvindo o seu ondulante gorjeio, que se repetia, sonoroso e divertido, até ser abafado pelo ruído irreverente e estridente das ruas.
     
3.  Filha de um senhor muito ciumento, o seu Campêlo, temendo uma desfeita do seu genitor, eu não me arriscava a pedir à menina para ver seu passarim.  
     
4.  Já imaginaram ela virar pro pai e, ingenuamente, dizer-lhe: "Papai, meu vizinho está querendo ver meu passarim. Posso mostrar-lhe?" Estou certo de que o velho genitor da jovem ficaria apoplético...
     
5.  Se meu pedido não fosse mui bem explicado, eu teria, com certeza, de mudar imediatamente de endereço. Cheguei a ter pesadelos mis, nos quais "ouvia" a voz de seu Campêlo a me perguntar:  "Que queres com o passarim de minha filha?"
     
6.  Tentando aproximar-me do passarim da menina, comprei um sabiá que cantava à beça. Inclusive quando, nas minhas noites de insônia, visitava-lhe a gaiola e lhe mandava um beijo. Um sabiá seresteiro. Fi-lo seresteiro da Jovita.
     
7.  Seu Campêlo era um coroa de testa franzida e de "cabelos cor de prata". Sizudo, mas parecia gostar de serenatas. Certa feita, o flagrei assobiando "Patativa", a canção que Vicente Celestino imortalizou. 
     
8.  Jovita lembrava, um pouco, a índia Iracema, tal como a pintara Alencar, no seu pai-d'égua romance-poema. Tinha mesmo a cara indígena e os cabelos "mais negros que a asa da graúna". 
     
9.  Numa dessas manhãs, de supetão, fui interpelado por seu Campêlo sobre o meu sabiá. Após o papo, vi abrir-se a possibilidade de ver o passarim da Jovita. Enganei-me. 
     
10.  Numa determinada noite, fui ousado por alguns momentos. Pela fresta de uma das janelas da casa da Jovita, coloquei o poema "O pássaro cativo", de Olavo Bilac. Acompanhava um bilhetinho, dizendo: do admirador do seu passarim. 
     
11.  O poema "Passaro cativo" é longo. Transcrevo um pequeno trecho: "Não quero a tua esplêndida gaiola!/ Pois nenhuma riqueza me consola/ De haver perdido aquilo que perdi.../ Prefiro o ninho humilde, construído/ De folhas secas, plácido, e escondido/ Entre os galhos das árvores amigos.../ Solta-me ao vento e ao sol!"
     
12.  Apurava o ouvido, e não mais escutava o belga da Jovita. Esquisito! O que, afinal, teria acontecido com o passarim da vizinha? 
     
13.  Aconteceu o seguinte, soube sem querer: Jovita fora obrigada a casar e morar bem distante de seu Campêlo, seu ranheta pai... Atendendo seu marido, Jovita levara na  bagagem seu canárinho cantador... 
          E eu? Eu? Perdi a vizinha e a vez de ver seu passarim... Coisas da vida!

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 28/03/2018
Reeditado em 16/10/2019
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