Mocinhas & Bandidas
Rosa Pena
Helena foi uma conhecida que tive na adolescência. Morávamos perto, estudávamos no mesmo colégio, freqüentávamos as mesmas festinhas de clubes, ou de conhecidos em comum. A única diferença é que Helena não tinha amigas. Ia e vinha sempre só.
Ela era chamada de bandida, termo da época, atualmente piranha. Enfim, ela dava mole. Porém, naquele tempo não se falava assim. Chama-se de fácil. Será que era tão fácil ou se apaixonava?
Cansei de vê-la com um rosto tão sonhador quanto o meu.
Na época, eu dizia que tinha raiva dela, pois era odiada entre as meninas e adorada pelos meninos. Para piorar, ela era bem bonitinha e o Edu, o pão da época (leia-se: o gatinho), era louco por ela. Que raiva sentíamos!
Acho que no íntimo tínhamos uma louca inveja da liberdade dela, que era vista como essa tal "facilidade" por todos.
Até hoje não consigo ao certo diferenciar direito, em termos amorosos, liberdade de libertinagem.
Helena não era vadia, estudava e até começou a trabalhar antes de todas nós. Aliás, foi pioneira no cigarro também. Primeira em tudo, na minissaia, no biquíni asa-delta, na perda da virgindade. Contou no colégio sua primeira experiência sexual, ficou malfadada.
Ceder à tentação quando se é atacada pelo desejo de ter prazer é galinhagem? Deve ser. Assim foi estipulado: o prazer andando de mãos dadas com a culpa.
Helena dava ou se apaixonava bastante para a época. Teve pelo menos uns quatro namorantes, mas não eram os ficantes de hoje, eram mais duradouros.
A cada paixão, ela ia fundo de forma descarada e até patética. Afirmava para todos que estava apaixonada. O colégio e a vizinhança ficavam cientes.
Rolava no ar a pergunta: "Quem será a próxima vítima?"
A tal teoria de só se entregar por amor é apenas um chavão ou é o correto?
Realmente ando numa fase de contestar. Acho que a definição total de amor envolve uma relação carnal. Sem ela, o amor fica interrogativo. Então, a entrega não é posterior ao amor. Acontece junto.
Existem as paixões platônicas, as nunca concretizadas, que ficam sendo os tais sonhos de realização plena. Se tivesse sido dele!!! Ah, tudo teria sido diferente...
Helena passou a adolescência perante uma banca de examinadores, professores aprendizes de relações humanas. Foi reprovada por nós. Resta saber até que ponto podamos nossos desejos nessa postura repressiva.
Eu e algumas amigas a encontramos recentemente num shopping. Casada, sorridente, com dois filhos. Falou conosco com naturalidade e apresentou-nos o marido. Estava em vésperas de completar bodas de prata.
Queríamos que ela estivesse acabada. Não estava. Tinha a pele brilhante, típica de orgasmos em dia.
Estranhamente, a maioria de nós, da banca examinadora, estávamos no segundo, terceiro casamento, ou solitárias. A pele meio sem brilho!!!
Disfarçamos, com risos, nossos conflitos interiores, nossas histórias não realizadas, afirmando que estava tudo ótimo. Maravilhoso!!!
Passamos a mocidade não cedendo às tentações, portanto tínhamos que tentar comprovar que estávamos certas. Preferimos a opção de suplicar silenciosamente e internamente o direito de sermos amadas. Expor-se? Nunca... jamais! Qualquer tentativa de busca de prazer legítimo poderia ser considerada vulgaridade.
Optamos pelo orgulho do nosso título. Sempre fomos e seremos as mocinhas; elas, as bandidas.
Ainda hoje existem essas diferenças com outros nomes: bandida x mocinha, louca x careta... e por aí vai.
E eu, como mãe e responsável pelas minhas inquietudes, pelos meus amores não resolvidos, aconselho a minha filha com muita propriedade:
— Cuidado para não ser fácil... (leia-se: não ceda às suas vontades). Não seja louca!!!
"Apesar de tudo, tudo que vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais."
Belchior
Rosa Pena
Helena foi uma conhecida que tive na adolescência. Morávamos perto, estudávamos no mesmo colégio, freqüentávamos as mesmas festinhas de clubes, ou de conhecidos em comum. A única diferença é que Helena não tinha amigas. Ia e vinha sempre só.
Ela era chamada de bandida, termo da época, atualmente piranha. Enfim, ela dava mole. Porém, naquele tempo não se falava assim. Chama-se de fácil. Será que era tão fácil ou se apaixonava?
Cansei de vê-la com um rosto tão sonhador quanto o meu.
Na época, eu dizia que tinha raiva dela, pois era odiada entre as meninas e adorada pelos meninos. Para piorar, ela era bem bonitinha e o Edu, o pão da época (leia-se: o gatinho), era louco por ela. Que raiva sentíamos!
Acho que no íntimo tínhamos uma louca inveja da liberdade dela, que era vista como essa tal "facilidade" por todos.
Até hoje não consigo ao certo diferenciar direito, em termos amorosos, liberdade de libertinagem.
Helena não era vadia, estudava e até começou a trabalhar antes de todas nós. Aliás, foi pioneira no cigarro também. Primeira em tudo, na minissaia, no biquíni asa-delta, na perda da virgindade. Contou no colégio sua primeira experiência sexual, ficou malfadada.
Ceder à tentação quando se é atacada pelo desejo de ter prazer é galinhagem? Deve ser. Assim foi estipulado: o prazer andando de mãos dadas com a culpa.
Helena dava ou se apaixonava bastante para a época. Teve pelo menos uns quatro namorantes, mas não eram os ficantes de hoje, eram mais duradouros.
A cada paixão, ela ia fundo de forma descarada e até patética. Afirmava para todos que estava apaixonada. O colégio e a vizinhança ficavam cientes.
Rolava no ar a pergunta: "Quem será a próxima vítima?"
A tal teoria de só se entregar por amor é apenas um chavão ou é o correto?
Realmente ando numa fase de contestar. Acho que a definição total de amor envolve uma relação carnal. Sem ela, o amor fica interrogativo. Então, a entrega não é posterior ao amor. Acontece junto.
Existem as paixões platônicas, as nunca concretizadas, que ficam sendo os tais sonhos de realização plena. Se tivesse sido dele!!! Ah, tudo teria sido diferente...
Helena passou a adolescência perante uma banca de examinadores, professores aprendizes de relações humanas. Foi reprovada por nós. Resta saber até que ponto podamos nossos desejos nessa postura repressiva.
Eu e algumas amigas a encontramos recentemente num shopping. Casada, sorridente, com dois filhos. Falou conosco com naturalidade e apresentou-nos o marido. Estava em vésperas de completar bodas de prata.
Queríamos que ela estivesse acabada. Não estava. Tinha a pele brilhante, típica de orgasmos em dia.
Estranhamente, a maioria de nós, da banca examinadora, estávamos no segundo, terceiro casamento, ou solitárias. A pele meio sem brilho!!!
Disfarçamos, com risos, nossos conflitos interiores, nossas histórias não realizadas, afirmando que estava tudo ótimo. Maravilhoso!!!
Passamos a mocidade não cedendo às tentações, portanto tínhamos que tentar comprovar que estávamos certas. Preferimos a opção de suplicar silenciosamente e internamente o direito de sermos amadas. Expor-se? Nunca... jamais! Qualquer tentativa de busca de prazer legítimo poderia ser considerada vulgaridade.
Optamos pelo orgulho do nosso título. Sempre fomos e seremos as mocinhas; elas, as bandidas.
Ainda hoje existem essas diferenças com outros nomes: bandida x mocinha, louca x careta... e por aí vai.
E eu, como mãe e responsável pelas minhas inquietudes, pelos meus amores não resolvidos, aconselho a minha filha com muita propriedade:
— Cuidado para não ser fácil... (leia-se: não ceda às suas vontades). Não seja louca!!!
"Apesar de tudo, tudo que vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais."
Belchior