O povo desconfia que a Amazônia brasileira não é mais dos brasileiros. Ela está cheia de estrangeiros misturados com índio nativo. Explorar mais o quê? Já levaram o ouro, faz muito tempo... Também o pau brasil, e agora levam boa parte da riqueza contida no eco sistema de Pindorama. Sai daqui para outros países uma variedade enorme de ervas. Depois elas voltam comprimidas, embaladas e vendidas aos 'índios', pelo preço da hora da morte. " Não me fale em morte" Disse baixinho Apinajé que ouvira toda a conversa do doutor Guimarães com o padre Paraíso. Ela ouviu tudo e recriou a imagem dos contatos que sua tribo teve com homem branco. “Como meu povo foi enganado...” E Sentiu saudade de Bico do Papagaio, outrora, terra e domínio de seus ancestrais Maxacalis.
Apinajé nunca mais viu seu povo.
Ocupada, levantava no cantar do galo e dormia quando a galinha branca subia ao poleiro. Nos intervalos do almoço e do jantar, fazia bolo, pão caseiro, e torta para a Sinhá. Varria o terreiro da madrinha e molhava a horta do patrão. Por tudo isso, recebia em paga o bafo da terra e o de-comer. Além da serra, muito além do tucunzeiro, a índia fora acuada por cães perdigueiros, e apanhada pelo laço do vaqueiro Onofre do Borá. Viveu no anonimato, ainda assim, deu nome ao marido Onofre de Apinajé, e em dores de parto deu-lhe também Chanana Tupixá, a última flor do laço conjugal.
Naquele mesmo ano, três caburés de cabelos grossos, corridos, escorreram na mata, feito filhotes de perdiz. Guiados pelo mais velho, parecia que o índio tinha na cabeça o mapa geográfico da tribo Maxacali. Sem temor nem medo, os filhos da índia mergulharam na mata e depois de muitas luas, fizeram contato com seus ancestrais e lhes deram notícias da mãe. Contaram das festas de homem branco e das músicas que a Apinajé tocava em honra a seus antepassados. Ela morreu de parto: Nasceu Chanana, morreu Apinajé. Pai Onofre ficou só. E Nhá Corina, viúva do patrão, tomou conta da cria. Era vésperas de Natal do ano de mil e novecentos e setenta e tantos.
Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."