Rubem Braga,a castanha de caju e meus oito pés de mexerica

Numa crônica de Rubem Braga,ele enterra uma castanha de caju em um vaso,após comer a polpa.

O gesto,executado apenas para não ter que se levantar e ir até a lixeira,gera um pequeno drama:a castanha brota!

A partir daí,a história narra o sentimento de culpa do autor por sua irresponsabilidade:um pé de caju não teria futuro naquele pequeno vaso.

No fim,quem salva o dia é a empregada,que transplanta a mudinha para outro vaso,ganhando tempo para arrumar um terreno no qual a futura árvore possa desenvolver-se.

A primeira vez que li essa crônica estava no ginásio.Tinha espinhas na cara,chicletes no bolso da calça e nada na cabeça.Nada que prestasse.

Lembro que julguei exagerada a preocupação do autor.Que importância teria um arremedo de planta?Para o lixo com ele!

Hoje,mais de trinta anos depois,enfrento um problema similar ao do cronista de Cachoeiro de Itapemirim.

Outro dia eu saboreava uma mexerica,que de tão suculenta e doce que estava,me deu vontade de separar as sementes e plantá-las.Oito sementes para ser exato.Oito.

Não é a primeira vez que faço isso.Já plantei nectarinas,maçãs gala,pêssegos,uvas...Quando gosto de uma fruta,tenho a vontade de perpetuar sua existência,talvez para que as gerações futuras possam também apreciá-la.

Um detalhe:nas semeaduras anteriores,não obtive êxito.

Intrigado,pesquisei e descobri que,hoje em dia,as plantas são manipuladas geneticamente para não produzirem sementes viáveis.Seria uma maneira de resguardar a exclusividade do produtor.Só quem tem para vender sou eu!

Com a mexerica,porém,tudo foi diferente.As oito sementes brotaram!Em pouco tempo,os caules saíram da terra e encheram-se de folhas de um verde escuro lustroso,que chegava a brilhar ao sol.

Certo dia,ao regá-las,fui assaltado por dilema semelhante ao de Rubem:Que destino darei a essas plantas?

Se vocês leram a história com atenção,caros leitores,perceberam que,ao contrário do saudoso cronista,fiz tudo de caso pensado.Enchi o vaso de terra,plantei as sementes e reguei.Coloquei em movimento as engrenagens da vida,e a vida sempre acha um meio de continuar.Qualquer um que tenha assistido ao filme "O parque dos dinossauros" sabe disso!

Se estivesse num tribunal,diria em minha defesa que acreditava na repetição das situações anteriores,com brotamento zero.Sei que o argumento é falho,mas não me cobrem muita coerência.Sou humano,ora bolas!

A cada manhã observava o crescimento das mudas.Em pouco tempo o vaso transformaria-se numa prisão para todas elas,e de segurança máxima.

Meu sobrinho Lucas,de quinze anos,aconselhou-me:

__Tio,o senhor pode fazer um bonsai com uma das mudas!

Sempre admirei essa arte milenar.Certa vez,há alguns anos atrás,ganhara de presente um pé de laranja num daqueles vasos de cerâmica retangulares.Apesar dos meus esforços,a diminuta planta acabou morrendo.Ficou o vaso,para o qual transferi uma das mudas,a menor delas para ser exato.

Ainda faltavam sete.

Duas semanas depois,uma amiga que minha esposa não via há anos apareceu lá em casa.Ela contou que mudara-se com o marido para um sítio no interior do estado.Conversa vai,conversa vem,falei das mudas de mexerica.

__Se você quiser,posso plantá-las no meu sítio.__disse ela cordialmente,enquanto mexia no teclado do celular.

Não posso negar que senti uma pontada de tristeza ao ver as mudas indo embora;mas um homem deve sempre estar pronto a sacrificar a sua vontade em benefício de um bem maior.

Acho que desta vez acertei a mão.Minha pequena árvore,depois do trauma inicial da mudança de vaso,está com folhas novas e engrossando o caule.

Quando me deito,à noite,fico imaginando as outras sete mudas crescendo na liberdade do sítio.

Pouco antes de cerrar os olhos,numa noite fresca de outono,imagino também como deverá estar,hoje,o pé de caju que você plantou décadas atrás,meu caro Rubem.

Uma grande árvore,certamente.

arqueiro
Enviado por arqueiro em 26/03/2018
Código do texto: T6290821
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