INDIFERENÇA. IGNORÂNCIA.GOSTO.

Gélida manhã em Nova York. O metrô engole multidões apressadas em honrar o princípio de obediência aos horários de trabalho. Em destaque, figura a sobrevivência subserviente que supera a vontade pelo belo, a preservação do relógio que não para nem mesmo para dar tempo à virtuosidade e ao ineditismo de um possível talento.

Nenhuma sensibilidade pode ganhar essa guerra. Compreende-se. Qualquer arte por mais sofisticada seja, ganha dessa horda passante vestida em couraça da indiferença.

Um homem na porta do metrô empunha seu instrumento musical e dele tira a magia de alguns trechos de J.S. Bach, e o faz com genialidade inigualável.

Milhares de pessoas passam em sua frente. Ninguém para. Um senhor de idade , nota, observe-se bem, nota que alguém toca algo. Para e olha. Segue em frente. Decorridos mais alguns minutos uma senhora lança uma nota de um dólar. Não para.

Somente uma pessoa, um homem, ficou por cinco minutos ouvindo o que magistralmente tocava o músico. Saiu logo depois sem nada dar de reconhecimento.

Quem realmente deu importância efetiva ao músico foi uma criança de três anos que insistiu e esbravejou com a mãe para ficar um pouco e ouvir (as crianças, sempre as crianças a nos doar sensibilidade e humanidade...). Não adiantou, a mãe levou-a aos trancos embora ainda voltasse sua cabeça para tentar ouvir. Com outras crianças repetiram-se as cenas.

Em quarenta minutos de inenarrável concerto, por genialidade reconhecida, o músico obteve de gorjeta trinta e dois dólares e teve seis espectadores fixos por pouco tempo.

Tratava-se do violinista Joshua Bell, em análise do comportamento humano feito pelo jornal “Washington Post”.

Joshua Bell tocava em um Stradivarius avaliado em três e meio milhões de dólares. As peças que tocou são consideradas as mais difíceis de Bach. Dois dias antes, Bell, considerado um dos maiores violinistas do mundo, tocou em teatro lotado em Boston com ingressos a cem dólares, como ocorre sempre que se apresenta.

Esse o estudo sociológico, simplista e lógico, a demostrar a lamentável insensibilidade humana, da qual a inocência das crianças se distancia, para reconhecer pela sensibilidade pura, a beleza e a virtude.

Que fazer senão lamentar.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 22/03/2018
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