Assim ou ... nem tanto.132
O Poder
Ninguém nunca o viu. Sabia-se que estava ao centro e que de lá governava o nosso mundo. Quando as leis chegavam a este lugar distante e periférico vinham desatualizadas, grafadas em papéis delidos de luz e uso que não suscitavam nem respeito nem vontade de cumprir. Era como se as ordens fossem para gente diferente, daquela que nasce rica e tem direito a ser rica para sempre. Daqui não se vê o centro, nem o Palácio, nem a corte, nem tudo o que faz da vida um mar tranquilo. Melhor seria que o Rei viesse visitar os que têm frio, fome, sede e males de toda a espécie para que o Poder gerasse Leis justas. Ver de longe é ver diferente. Não se escutam gritos nem protestos e a periferia do Reino - crê Sua Majestade - é extensão da harmonia central. Um dia mataram o portador das ordens cevando nele as ganas que tinham contra quem decide sem saber, contra quem mata por descaso, contra quem, de seda e brocado, tem a pele acautelada, morna e suave, resguardada. E, pela primeira vez em muito tempo, suspendeu o Rei a pena e em vez de um poema escreveu banalidades. Leis novas não se atreveu que quem mata um mata muitos, que quem assim grita lhe dói por certo. E foi incógnito em caleche negra, mal ajaezado e sem coroa, sentir ao contrário. Desta vez a Lei seria para os que estavam longe e carentes. A Lei dava recado aos que, ociosos, se tinham acostumado ao centro imóvel. Nada vai mexer, disse o arauto, mas El Rei ordena que aqueça. Já.