Sobre porque não sou feliz
A verdade é que a gente não enxerga nada, absolutamente nada. Aqui ao lado mora um vizinho, somos separados por uma única casa, ambos temos terraço, praticamente na mesma altura, a do meio não. No fim de dezembro ele colocou umas caixas de som em seu terraço, todo fim de semana era uma festa e um barulho insuportável, e não apenas em fins de semana, todos os dias. Mas exatamente como previ, após o propício período do ano, ele com o tempo foi diminuindo aquele ritmo, hoje as festas são pontuais e ele pouco fica no terraço.
Esses dias ele tava sentado ao lado das caixas, ouvindo Gilberto Gil enquanto acariciava seu cachorro. Então seus amigos foram chegando e alguns minutos depois estavam bebendo ao som de um pagode chato.
Já morei bem perto de um bar, na verdade colado a ele... Havia um senhor que toda tarde dava as caras, chegava umas 14h e só saía ao anoitecer. Não conversava nem fazia nada. Apenas sentava e tomava sua cerveja por horas.
Voltando ao vizinho, ele tem filhos, seus filhos também usam o sistema de som. Ontem subi ao terraço e a garota estava lá, bem ao lado das caixas, tão bem ao lado que me perguntei como ela aguentava. Estava ouvindo as músicas do seu celular, jesus, ela tinha celular e tinha fones e ainda assim ouvia em altíssimo volume na caixa de som. Foi aí que finalmente enxerguei tudo que sempre esteve a minha frente.
Por muito tempo pensei ser especial, sabe, esta sensação da adolescência de querer ser mais... Pensei que, ora ou outra, eu faria ou aconteceriam coisas que fugissem do comum, coisas realmente relevantes, e que estas justificassem toda a espera até então. Mas hoje tenho medo. Tenho medo quando ligo a TV e vejo campeões, letrados, politizados, engajados(...) tenho medo de tudo que eu faria pra preencher-me até chegar àquele patamar. Também tenho medo quando saio de casa e me deparo com os fracassados. Não quero ser um homem comum, com uma mulher comum, um emprego comum, filhos, festas na praia, churrasco no fim de semana, cerveja, conversas vadias e esta vida meramente comum. Meu medo me consome quando percebo que o tempo está passando, que mesmo sem escolher nada, um dia terei de me deparar com tudo que escolhi não ser.
O que se quer, e é também o que prego como filosofia de vida, é anestesiar-se. De tudo, até de si mesmo. É lutar contra este íntimo sentimento de inutilidade. É não trabalhar, não estudar, se formar, casar, ter filhos e vida social, sem sentir-se inútil. Porém, feito tudo isso, não se sentir-se inútil depois, não sentir que, mesmo estando dentro do normal, você não é nada mais que um homem comum. Como todos os outros...
Quero trabalhar, mas não um trabalho qualquer, quero trabalho que justifique todo meu cansaço. Quero casar, e que este casamento não me tire meu desejo de estar sozinho. Estudar eu também quero, mas que isso nunca me seja suficiente para minhas inquietações.
O que percebi ao ver aquela garota ao lado das caixas é que ela estava se esforçando para não se ouvir, não ouvir tudo que ela não tinha a dizer, embora sentisse. Tentando preencher seu vazio com o volume da música, assim como seu pai com as festas, como o senhor com álcool, como VOCÊ, aqui, na internet, nas drogas, na pornografia, na religião, nos livros de filosofia... Fazemos isso o tempo todo! Lutamos para sentir-se útil e, por consequência disso, não sentir-se inútil depois. O que sobra neste meio tempo, e é o que de fato sobra, é o pequeno vazio que não nos permitimos ser. Mas somos!