Marielle Franco: uma preta no poder que ainda incomoda muita gente

Tudo começa com o assassinato de uma mulher preta, favelada e que, com o apoio de quase 50 mil semelhantes, alcançou o poder na cidade do Rio de Janeiro, segundo maior celeiro econômico e social do país. Inicialmente, suspeita-se de execução, o que revoltou o Brasil e o mundo para a situação da Segurança Pública brasileira. O assunto Marielle Franco, 24h repercutindo na imprensa nacional, ganhou escopo de quem se incomoda com a ascensão das minorias.

De vítima, a vereadora do Psol virou “mulher de traficante”, “engajada com bandidos” e “eleita pelo Comando Vermelho” (uma das principais facções do país). Tais declarações, pasmem, vieram da desembargadora Marília Castro Neves (TJ-RJ). Mas o fato poderia se tornar até cômico, se a reputação de uma mulher ASSASSINADA não estivesse em xeque, já que a magistrada se embasou em UMA simples leitura de UM comentário feito por UMA amiga na Internet.

Mas quem nunca reproduziu informações duvidosas na rede? De fato, em tempos de mídias digitais, a prática é corriqueira e pode não trazer tantas prerrogativas contra o propagador de tais difamações, injúrias e demais opressões a qualquer que seja o indivíduo. Isso tudo num contexto em que a pessoa pública em questão, do Judiciário fluminense, alega simples opinião em oposição à politização do caso.

Vindo de quem veio, é natural que ganhe repercussão midiática. Trazendo à imprensa piauiense, num cenário elitista, branco, racista e machista, posturas semelhantes não surpreendem quem nada contra a correnteza do rio de pseudojornalistas que contribuem para a proliferação das “Fake News” ou notícias falsas. É nesse imbróglio de pós-verdade que a simples opinião, sem nenhum teor argumentativo ou de investigação, tenta usurpar a relevância social do Jornalismo para sobrepor ideologias de uma “Guerra Fria” virtual.

O conflito ideológico parece não ter prazo de validade, o que se torna um ponto positivo à condição humana. Pensar, discutir e respeitar as diferenças alinha-se à realidade dos Direitos Humanos defendidos por Marielle Franco. Politizar a execução da vereadora é muito bem-vindo, mas não é o primordial àqueles que só desejam a elucidação do crime: família, amigos e os quase 50 mil eleitores que viram a luz no fim do túnel emanar de uma mulher preta apagar-se de forma tão violenta.

Direitos Humanos são pela vida do lavrador, do policial militar, do estudante, da desembargadora Marília Castro Neves, do Sérgio Cabral, do Lula, do pseudojornalista que provavelmente nunca leu o código de ética que rege a profissão. É pela humanidade! Ao profissional da imprensa que prega o contrário, certamente você não é digno do ofício ao qual atua. Ter mais compromisso com os anos conflitantes na faculdade vai muito além da construção de um “lead” e de empregar aspas.

O futuro das investigações sobre a morte da pessolista é incerto. Por mais que tenha emergido financeiramente, o capital social de Marielle e dos outros mais de 100 milhões de brasileiros ainda é estigmatizado pela melanina preta que estampa nossas peles. Assim como o assassinato do meu pai demorou anos para ser julgado, mesmo com a prisão em flagrante dos autores do crime, a situação da vereadora provavelmente será bem pior. Cabe a nós, enquanto sociedade e deveras jornalistas, cobrar por esclarecimentos, justiça e Direitos Humanos.