TRIPULANTES E PASSAGEIROS

Certa vez, faz muitos anos, ouvi uma frase que jamais esqueci.

Ela dizia:

NA TERRA NÃO EXISTE PASSAGEIROS, SOMOS TODOS TRIPULANTES.

A princípio não entendi.

Passageiro? Tripulante? Para minha cabeça adolescente era tudo a mesma coisa, como sinônimos. Corri ao dicionário em busca de esclarecimentos.

Quando entendi o seu sentido percebi o quanto ela era significativa para mim.

Passageiros e tripulantes, apesar de estarem dividindo o mesmo espaço possuem obrigações completamente diferentes.

Somos todos tripulantes. . .

O que é um tripulante?

É o indivíduo necessário e indispensável para que uma embarcação ou aeronave ande com segurança e conforto. É a pessoa que presta um serviço importantíssimo para a condução e manutenção desta embarcação ou aeronave.

Passageiro, por sua vez, é o indivíduo que usufrui do conforto que os tripulantes oferecem com seu trabalho.

Daquele dia em diante, resolvi que seria o maior tempo possível um tripulante na terra. Se não pudesse ajudar, me esforçaria para causar menos danos àquilo que eu não pudesse reparar.

Com certeza acontecerá em um dia ou em outro momentos em que meus instintos mais mesquinhos e egoístas, de ser humano que sou, estarão propensos a usufruir e gozar de forma inconsequente dos prazeres e tentações das coisas materiais, enfim das comodidades de um passageiro. Decidi que mesmo nestes momentos, buscaria minha satisfação de uma forma responsável e consciente, como um tripulante.

Ainda existem muitos indivíduos que se sentem passageiros. Vivem como se fossem os únicos (e os últimos). Abusam de tudo que lhes oferecem como se fosse infinitos os recursos. Agem como passageiros negligentes.

Esses dias estava no meu carro, indo ao trabalho, quando notei o motorista do carro da frente jogar pela janela uma lata de refrigerante que ele, por certo, acabara de beber. A lata por ser leve caiu rolando próximo ao meio fio da rua e pela força do vento que não era fraco deslizou rodopiando parando em frente a uma escola. Muitas crianças viram a cena, pois a aula não tinha iniciado.

Pensei comigo - Este indivíduo vive como um passageiro. Acredita que logo atrás virá alguém para recolher o lixo que ele joga aonde lhe der na telha de forma irresponsável e inconsequente. Passa por sua cabeça que existem pessoas privilegiadas, e ele seria uma delas, que têm o direito de usar e abusar de nosso planeta na certeza que sempre atrás virá alguém para recolher seus lixos.

Para piorar a situação, uma criança, que imaginei fosse seu filho também estava no carro, e junto comigo, e junto com todas as outras da escola assistiu a cena.

Fiquei impressionado como um gesto que parece insignificante tem o força de gerar consequências terríveis. Como temos responsabilidades naquilo que fazemos.

As crianças formam seu caráter baseado nas atitudes daqueles que elas têm como exemplo, e os pais são sempre o exemplo e a referência de seus filhos. O menino, seguindo este raciocínio, acredita que jogar lixo pela janela do carro seja normal pois seu pai assim também faz.

Fiquei com pena do menino que tem como exemplo um pai mal educado. Um passageiro.

Que a visão do errado conduza este menino ao certo, que horrorize-se com aquilo que não concorda, mesmo que a ação venha daquele que, por óbvio, deveria lhe dar bom exemplo. O ser humano tem a peculiar capacidade de aprender com os erros dos outros, no final das contas as más experiências também nos ensinam muito.

Imaginei o menino crescendo, e com o poder de transformar-se que toda a criança têm, com a resiliência que é natural a todas elas, possa abstrair a cena, ou melhor, que ele possa tomá-la como exemplo daquilo que não convém que se faça e torne-se por fim um tripulante.