PRESO POR JOGAR FUTEBOL

PRESO POR JOGAR FUTEBOL

Jogar futebol na Praça Bernardino de Campos, a Pracinha, era proibido. Até hoje não entendi o motivo dessa lei. Era um local com grama alta atravessado por caminho marcado pela passagem de pedestres, com uns três ou quatro pés de eucaliptos enormes de um lado e do outro uma grande área própria para a prática de futebol. Nossa turma se reunia ali todas as tardes, aparecia um dono de bola e os dois considerados melhores sorteavam no par ou ímpar os seus jogadores. Se sobrasse alguém na escolha, ficava esperando chegar mais gente para jogar ou formar um terceiro time que iria enfrentar o vencedor do jogo em andamento, que era tipo “três vira e seis acaba”, ou “quem marcar o primeiro ganha”. Muitas vezes reuniam-se ali vinte ou mais garotos e rapazes, pois quem não estava jogando torcia ou conversava com os amigos. Um jogo de futebol provoca muitos gritos dos jogadores, seja de alerta, pedidos para passar a bola, muitas broncas e discussões. A Pracinha virava um mercado persa. Melhor, perto da Pracinha quando a molecada jogava, um mercado persa era um túmulo.

O que nos atrapalhava era os moradores. Ah, aqueles moradores com suas crianças que precisavam de sossego e os maridos que faziam uma soneca após o almoço! Reclamavam de tudo. Não se podia chutar uma bola na parede ou na varanda da casa e pronto! Já começavam a reclamar! Tá certo que às vezes acontecia de quebrar um ou outro vidro de janela ou acertar a bola bem na cabeça de alguém que passava a pé ou de bicicleta. Ou, um pouco mais difícil, a bola bater em um carro passando ou estacionado. Mas também, escolhiam de passar por ali bem na hora do nosso futebol. Tenha dó! E o que era uma demonstração total de incompreensão para com nossa turma: chamavam a polícia. O pai do Marivaldo Gonella, a senhora loira da esquina, e muitos outros viviam fazendo campanha contra nosso inocente futebol da tarde na Pracinha. Parecia uma guerra. Ás vezes nem se começava a jogar e aparecia uma viatura. Era os “home”. A gente desmanchava o grupo, disfarçava. Passada a ameaça, começava a pelada. Partida disputada, nosso time ganhando e pam! Chegava a polícia, prendia a bola. Como bolha d´água em chapa quente, era moleque pra todo lado e os policiais atrás. A maioria escapava, mas quase todas as vezes detiam um ou outro garoto, levavam para a delegacia, instalada em uma grande casa na Rua Ipiranga, entre a Jacob Emerich e Frei Gaspar.

Era época da campanha para eleição presidencial. Jânio Quadros era o favorito apoiado pelo Carvalho Pinto, governador de São Paulo, e seu principal adversário, Marechal Henrique Teixeira Lott, era o candidato conservador, apoiado por Juscelino Kubistchek. Meu pai, militar, participava ativamente da campanha do Lott. Nas férias de julho, o futebol começava na parte da manhã na Pracinha. Mal começado o jogo, aparece a bendita viatura. Moleque pra todo lado, a polícia não pegou ninguém. Naquele instante. Saí pela Rua Erasmo Schetz, atravessei a Praça João Pessoa, entrei no Bar do Abel, sentei em uma cadeira. De repente, chega a viatura e um filho de uma santa me entrega: ”-Aquele ali estava jogando bola.” Pronto, só tive tempo de pedir para avisarem meu pai e entrar na temida viatura. Chegado à delegacia, mandaram sentar numa sala de espera para falar com delegado. Quem conheceu meu pai sabe que era uma pessoa calma, ponderada, que jamais usava o seu status de militar. Mas não dessa vez. Mal sentei, aparece capitão Miorim, aos berros, enquadrando os policiais, documento na mão, fazendo valer sua condição hierárquica e falando mal do Jânio e do Carvalho Pinto, que aquilo era perseguição, etc. Mandou-me sair da delegacia, foi a sala do delegado, deu uma bela bronca por terem detido um menor. Ninguém falou nada. Voltamos para casa juntos. Evidentemente sofri um castigo devido ao ocorrido, mas ver meu pai berrar com aqueles que viviam atrapalhando nosso futebol foi demais.

Paulo Miorim

12/03/2018

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 12/03/2018
Código do texto: T6278204
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