FILOSOFIAS DE UM DOMINGO CHUVOSO

O que nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Porque pensamentos recorrentes voltam sempre à minha mente? Como a parte química do corpo humano reage bem à aproximação de certas pessoas e, negativamente, à de outras? Há alguém que possa explicar o que é o amor, a amizade, a proteção, o carinho, a raiva, a irritação, a intolerância? Existe alguma ciência ou filosofia que possa prever o nosso comportamento diante de um fato desconhecido ou já vivido há muito tempo? Porque o cachorro entra na igreja? Porque encontrou a porta aberta? Concluímos, então, que todos cachorros que encontram a porta da igreja aberta, entrarão em sua nave? É uma regra imutável? Perguntas e mais perguntas... Quando eu era pequena minha mãe me chamava de “fábrica de perguntas”! Pelo visto não mudei muito. Só não posso perguntar a ela porque, já faz um bom tempo que não a vejo. Ela está encantada, como diz Guimarães Rosa, ao se referir aos que partiram. Terminologia que me questiono. Porque a morte é considerada uma partida se, naquele momento, o corpo ainda continua visível e no mesmo lugar. O que partiu? O sopro. E o que é sopro? É o toque divino que recebemos ao sermos concebidos. Aí extrapolei completamente. Entrei numa seara onde desconheço a essência, sua ação, sua importância e, principalmente, o seu destino. O meu destino. O que é destino? Um caminho a ser percorrido para se chegar a um fim. Então destino é fim? Fim de que? Fim do sopro, da caminhada, do caminho, de tudo que faz o ser humano agir e reagir? Destino é coisa boa ou coisa ruim? Decididamente este domingo se transformou numa infindável lista de questões existenciais que não me levam ao destino, nem a canto algum. Estou passando por um período da minha vida onde voltei à infância perguntadeira e busco encontrar respostas convincentes para tanto questionamento.

Que laços me unem às pessoas que conheço e que cruzam o meu dia, pessoalmente, por telefone, por e-mail, por pensamento? A cada um, uma reação diferente. Às vezes me encanta ficar lembrando do rosto, do sorriso, da expressão atônita, de certas pessoas queridas. Levo um bom tempo, nunca marcado no relógio. Tempo de eternidade. Que absurdo; se eternidade é falta de tempo como posso ficar neste espaço que é paralelo ao outro e nunca se encontram os dois? Minha mente de professora de matemática já me pregou uma peça: paralelas se encontram no infinito, diz a geometria. Se, se encontram, não são paralelas, ainda que o infinito seja muito longe e de distância incalculável. Outra armadilha: cálculo matemático é exato e se é incalculável é impreciso e variável de acordo com quem está cogitando tanta tolice. Acho que neste domingo chuvoso de Petrópolis, com o ruço descendo lentamente, a frente fria prevista pela meteorologia, chegando ao corpo e ao coração, tenho que fazer ginástica mental, para espantar a queda de temperatura que me invadiu. Melancolia? Saudade? Ausência? Presença? Perguntas, perguntas, e mais perguntas.

Quem sou eu neste momento? Ouço um violão que toca canções da minha mocidade, estou abrigada da umidade do mundo exterior. Tenho almoço sendo cozinhado, não estou com fome nem com frio. Não posso sentir solidão, se tenho o mundo conectado ao meu computador. É só apertar uma tecla e a internet me leva a onde eu quiser. Tenho fotos da Europa, de Paraty, da Bahia, do Ceará, da família, de amigos e até de pessoas que não fazem mais parte da minha vida, arquivadas na memória desta tecnologia que não domino, mas brinco de fazê-lo. Antes de sentar diante desta telinha desafiadora perfumei o ambiente para tornar este momento de encontro de mim, comigo mesma, o mais perfeito possível. Estamos as duas em sintonia. Duas? Sim. A interior, composta de sentimentos, pressentimentos e a exterior, que mede a temperatura do ambiente, se liga ao relógio que assa o frango no forno, fica atenta à porta que se abre para minha empregada chegar e tomar conta desta parte, deixando-a livre para conversar com a outra.

Pronto. As duas podem tentar responder às perguntas que foram sendo impressas e estão à procura de uma explicação plausível: Não sabemos quem veio primeiro se o ovo ou a galinha e, mesmo que soubéssemos, que diferença isto faria na nossa vida? Outra pergunta. Estou abrigada, acompanhada dos fantasmas camaradas; mente ativa e perguntadeira; energia elétrica funcionando, para que a telinha continue acesa e a música tocando; uma cadeira acolchoada e confortável para descansar as pernas. Tudo isto me fazendo lembrar de uma música que Tito Madi cantava: “A noite está tão fria, chove lá fora. E esta saudade enjoada, não vai embora..” Não sei porque me lembrei desta música. Não é noite, é dia; não está frio, só fresco. Não há saudade e, se houvesse, não seria enjoada, mas de um momento especial que não quero esquecer e sim saborear. Tudo diferente, tudo confuso, nada explicado ou respondido, mas tenho a inexplicável sensação do dever cumprido. Que dever? O simples fato de ser capaz de divagar, no papel, sobre uma filosofia banal de um domingo cinzento, lá fora, mas radiante na minha criatividade literária. Gostei. Se vocês não estão satisfeitos, achem seus próprios domingos e tentem o que fiz. Questionem-se sobre quem são, o que sentem. Tentem achar respostas para: porque gosto de fulano e o sicrano me irrita. Porque não consigo contornar uma dificuldade, armadilha que me preparam? E façam suas próprias perguntas porque eu já tenho o suficiente para complicar a minha vida e não vou dificultá-la, ainda mais, imaginando perguntas para vocês. Tenham um bom domingo e até a próxima.

Petrópolis, 12 de agosto de 2007

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 28/08/2007
Código do texto: T627817
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