" Machadinho " do Cão

Olhando para trás e rebuscando em sua memória ele viu os motivos que o levaram a desistir de alguns sonhos de infância, mocidada e até da fase de adulto. Homem tranquilo, alegre e falador, gosta de contar casos e causos para os amigos.

Da sua própria vida ele conta muita coisa e como algumas são interessantes, as pessoas o incentivaram a escrever suas memórias. No início ele relutou, mas com tempo, a idade se avançando, velhice chegando (hoje se diz terceira idade), ele resolveu escrever algumas de suas lembranças.

Recordou que na infância, era menino sonhador, cheio de manias e falas matuta (cheio de nove horas) como diziam alguns antigos, ele ficava tempos e mais tempos analisando as coisas e as conversas das pessoas. Acreditava em umas e duvidava de outras. Moleque sagaz.

Era humilde, inocente, mas perspicaz. Nada escapava de seu olhos e ouvidos. Armazenava tudo na mente para, depois, no quintal chupando canas, mangas ou laranjas, ele ruminava cada assunto e relembrava cada detalhe.

Outro momento favorito dele para remoer suas idéias, era nas pescarias que fazia, quase sempre sozinho, nos rios e córregos. Nunca desmentia um adulto, em sua presença, mas também não acreditava em tudo que via e ouvia. Freava sua língua, perto dos outros, mas quando só ou com moleques de sua láia, falava mais do que "lavadeira sem sabão" e contestava tudo que não acreditasse ou mesmo que não entendesse. Era franco. Sincero. Mesmo sendo menino, ele era muito honesto.

Agora estava recordando do dia em que viajou para a cidade com seu avô e a vida lhe trouxe uma experiencia não muito boa. Na época ele ficou deveras revoltado. Foi assim:

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_Muito bem. dissse-lhe o avô. _Quem terminar primeiro seus compromissos que espere o outro aqui, na boca da ponte.

_Sim senhor! Respondeu o guri. _Só vou em duas casas, volto antes do senhor e fico aqui. _Vai com Deus! Reforçou.

( Essa fala aconteceu entre meu avô e eu, numa cidadezinha de Minas Gerais ).

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Vovô seguiu uma direção e o neto foi por outra rua. Era uma manhã fresca e ensolarada. Ambos vieram da fazenda onde moravam para resolver coisas de seus interesses naquela pequena e pacata cidade do interior mineiro, onde todo mundo conhecia todo mundo.

Eu visitei meus amigos, comprei o material que precisava e rumei para o ponto do nosso encontro. A ponte de arco, como era chamada.

Pude reparar que a água do rio Piracicaba estava meio verde-cinza nesse dia. Não sei se devido a poluição da (Belgo Mineira, na época) siderúrgica situada acima a 20 km despejava óleo e detritos no rio a céu aberto.

Alguns conhecidos meus que passaram por ali bem que falaram comigo, perguntaram pelo vovô, ou simplesmente me cumprimentaram e se foram. Fiquei reparando nas coisas e nas pessoas, enquanto a espera durava.

Vi passar uma viatura da polícia militar com três soldados e notei que o policial alcunhado de Cabo "Machadinho" me olhou em particular. Fiquei um pouco apreensivo, pois tinha pavor desse sujeito e das histórias que contavam sobre ele. O tipo era escroto, selvagem e para fazer jus a sua fama, ele se mostrava mesmo uma pessoa má. As crianças percebem a maldade até nos olhos dos adultos maus. Ele era croia.

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Era a segunda vez que o camburão passava pela ponte. Eu olhava tudo e todos. Foi aí que o oficial mandou o motorista parar a viatura e me abordou. Notei logo maldade na cara e olhos do tipo. Já comecei tremer.

_Menino, o que você faz aí parado? Interrogou o Cabo Machadinho.

_Estou esperando o meu avô. Respondi. Tremendo de medo, pois eu sabia a fama de mau que aquele homem tinha na região.

O miserável me olhou, de cima a baixo, passou a mão pelo bigode enorme e disse-me;

_Vou ali e volto logo, se você ainda estiver aqui... ele disse. _mando jogar você dentro do rio.

Dizendo isso, mandou seu motorista dar a partida e se foi, sem olhar para trás.

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Fiquei realmente apavorado. Quis chorar, correr, gritar. Mas nada fiz, apenas fiquei olhando a viatura se afastar. Meu coração acelerou, minhas vistas se embargaram, mas eu não chorei. Na verdade eu fiquei sem ação.

Passado alguns minutos, poucos, acho, comecei andar sem rumo. Eu não sabia o que deveria fazer nem para onde ir, mas queria sair dali, ganhar distancia para evitar de o policial voltar e me ameaçar mais, ou , quem sabe, me mandar mesmo para dentro do rio. Malvado ele era.

Meu avô chegou e eu lhe contei. Ele ficou triste, deu para eu perceber isso, mas preferiu não fazer nada, pois ele mesmo sabia que polícia não era classe de gente do bem, na época , e o cabo Machadinho tinha lá sua fama, era tido e conhecido como o pior da espécie.

Voltamos pra casa e durante alguns dias eu notei que meu avô estava chateado com o episódio. Mas ele não tocou mais naquele assunto. Não comigo. Mas ele sentiu.

Poucos anos depois eu presenciei e soube de coisas horríveis praticadas pela nossa polícia. Isso me fez detestar a classe, por muitos anos. Até que cresci, aprendi e passei a selecionar. Sei que em todas as comunidades de pessoas e profissionais tem os bons e os maus elementos. Assim, hoje, tenho até amigos e parentes na policia.. Mas fico sempre no meu canto, o meu lugar de civil, e se finjo que confio... CONFIO DESCONFIANDO...

.... ____ F I M ....____

( Pardon )

( Pardon )
Enviado por ( Pardon ) em 12/03/2018
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