Liturgia Judaica e um pouco da origem do povo Judeu
É importante sabermos que dentre todos os povos, Deus por Seu beneplácito, escolheu Israel como seu povo. Essa eleição para ser vivida implicava na fidelidade de Israel à Lei de seu Deus e ao seu culto legítimo.
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A história do povo Judeu
Deus escolheu Abraão, o patriarca da tribo dos HEBREUS que provinha de Ur, da Caldéia e que foi levado por Deus para Canaã (também chamada Palestina) para formar Seu povo, um povo numeroso e que lhe fosse fiel. Abraão teve dois filhos: Ismael, filho da escrava Agar e Isaac, filho de sua mulher Sara. Isaac é o filho da promessa, onde Deus iria continuar a Aliança.
Isaac teve dois filhos: Esaú e Jacó. Esaú vende seu direito de primogenitura à Jacó e esse depois rouba a benção de seu irmão e foge. Numa luta com Deus, Jacó recebe o nome de ISRAEL. A partir de então toda a descendência de Jacó será chamada de povo ISRAELITA.
Jacó tem doze filhos e um deles, José, é vendido por seus irmãos. José acaba indo para o Egito e trabalhando na casa do faraó de quem passa a ser estimado. Enquanto isso, Jacó e seus filhos passam por dificuldades em Canaã. Indo para o Egito atrás de alimento, encontram com José, então primeiro ministro do Egito, que perdoando seus irmãos, traz toda sua família para lá. Muito tempo se passa da morte de Jacó e de José quando outro faraó que não conhece José assume o Egito. Percebendo que o povo hebreu era de grande número e temendo que este tomasse o Egito, escraviza o povo.
Com isso, Deus suscita Moisés que liberta o povo do Egito. Para retornar para a terra prometida, Canaã, o povo passa quarenta anos no deserto. Nesse momento, Deus quis solenemente fazer a Aliança com seu povo: “Se obedecerdes à minha voz e guardardes a minha aliança, sereis, entre todos os povos, o meu povo todo particular…sereis um nação consagrada” (Ex 19, 5-6 ) Recebem então a Lei como uma “carta” desse contrato. O Decálogo, os dez mandamentos de Deus, acrescido de leis rituais é o primeiro esboço de uma legislação social e religiosa. Moisés não entra na terra prometida, terra que emana leite e mel. Josué é quem entra com o povo na terra prometida, onde vários povos a habitavam, pela tomada de Jericó.
Ao conquistarem a Palestina a terra é ocupada em doze territórios de acordo com as doze tribos, que representam os doze filhos de Jacó. Nesse período de conquista da terra e alguns anos que se seguem após, caracterizou-se por época dos Juízes. Essa época é marcada por constantes lutas com os antigos moradores dessa região. O pequeno povo dos hebreus aos poucos foi-se desenvolvendo como reino no meio de seus vizinhos. É a época conhecida como a do Reis. Destaca-se nesse período o rei Davi conhecido por seu amor a Deus e experiência com Sua misericórdia. O sucessor de Davi é Salomão, seu filho.
Com a morte de Salomão, o reino é dividido em reino Norte, chamado de reino de Israel devido às doze tribos e o reino Sul, conhecido com reino de Judá por causa da tribo de Judá (a qual juntou-se a tribo de Benjamin). O reino de Judá tinha como capital Jerusalém, onde estava o Templo de Jerusalém construído por Salomão para que lá pudesse prestar a Deus o culto e os ritos de expiação. O reino do Norte tinha como capital a Samaria. Esse reino conhecido por sua idolatria devido à influência dos povos vizinhos, todos politeístas, logo foi destruído pelos assírios. Subsistiu Judá, que logo depois foi também invadida e destruída pelos babilônios. Uma parte dos israelitas foram exilados.
Foi no exílio da Babilônia que os hebreus foram chamados de JUDEUS por causa da tribo de Judá e sua religião. No reinado de Ciro, rei da Média, grande potência da época que dominou a Babilônia os judeus voltam e reconstroem Jerusalém.
Os israelitas privados de seus reis tentam organizar-se como uma comunidade religiosa. Anos depois sob o domínio da dinastia dos generais de Alexandre Magno, época do império grego, os judeus sofrem grande perseguição de Antíoco Epífanes, rei da Síria. É a época da revolta e da guerra santa de libertação empreendida por Judas Macabeu. A Judéia passa então por um período de independência até que sendo Roma o grande império, a Palestina é reduzida a uma província romana. A Judéia é dividida em quatro regiões (tetrarquia).
Anos depois é delineado um novo movimento de independência provocando uma guerra civil e o último sítio de Jerusalém. No ano 70 tem-se a destruição da Cidade Santa, Jerusalém, terminando a história dos antigos israelitas. O povo judeu é então espalhado por todo o mundo.
AS FONTES DA LITURGIA JUDAÍCA
Entre todas as fontes da liturgia hebraica, a primeira e a mais importante é a Mishnah, uma coleção de leis e normas judaicas, coleção essa que surgiu no ano 200 DC. Mas cujo conteúdo é antiquíssimo, antecedendo o próprio período de Jesus. Embora escrita duas gerações depois do Novo Testamento, a Mishnah contém relatos bastante confiáveis sobre os costumes que prevaleceram durante o N.T.
– Os Tratados Litúrgicos da Mishnah
Uma das práticas mais importantes sobre as quais a Mishnah nos informa amplamente é a que se refere à liturgia e ao culto. Das seis partes que a compõem duas são dedicadas explicita e exclusivamente a este tipo de costumes.
A Mishnah nos informa concretamente:
Sobre o culto sacrificial.:
A este assunto é dedicada toda quarta parte: Qodashim, “Coisas Sagradas”, que trata dos sacrifícios, das oferendas de farinha e de bebida, do abate de animais, do ritual diário do templo e de sua arquitetura.
Sobre as diversas festividades ou datas importantes do povo judeu.:
A elas é dedicada toda a segunda parte, Mo’ed, que significa “Festas”, “Datas Importantes”, e que trata do Shabbat (Sábado), da Pesah (Páscoa), do Yom Kippur (Dia da Expiação), do Sukkot (Tabernáculos), do Rosh Ha-Hanak (Ano Novo) e do Purim (sorte, destino). Este trabalho nos informa sobre toda liturgia da sinagoga e sobre suas maiores conexões e instituições (sábado, festa da peregrinação e festas menores).
• Sobre a Berakah (Benção) que é a animação e expressão da liturgia e da oração hebraica, sua força e seu grande tesouro. Do tema da Berakah a Mishnah dedica nada mais que o primeiro tratado da primeira parte intitulado de Berakot cujo os nove capítulos são assim subdivididos: Os três primeiros desenvolvem o tema Shemá Israel; o quarto e o quinto falam da oração em geral; o sexto, o sétimo e o oitavo da 0 (a oração de benção depois da refeição, a oração de benção por excelência); o nono e último capítulo trata ainda de outras bênçãos. A Berakah é a raiz e o fundamento da Mishnah: ela a gera e constitui e a justifica.
– O Talmud
Logo depois da sua redação a Mishnah se tornou objeto de estudo e discussões, não somente na Palestina, onde ela apareceu, mas também na Babilônia, onde havia academias importantes e florescentes. O Talmud pode ser considerado como grande dossiê dessas discussões. Ela compõe-se de duas partes: a primeira que reproduz o texto da Mishnah, e a segunda, que compõe de análise e aprofundamento deste texto.
O Talmud Torá, o estudo da lei era feito nas grandes escolas e academias. Uma vez que elas serviam de inspiração para os dois grandes centros do judaísmo da época, Babilônia e Jerusalém. Quando se sentiu a exigência de passar para o papel as pesquisas feitas sobre o texto da Mishnah, surgiu quase que naturalmente uma dupla redação: o Talmud de Jerusalém e o Talmud babilônico. O Talmud palestinense é escrito em língua judaíco-aramaíco, com muitos termos emprestados do grego. O Talmud babilônico ao contrário é escrito em judaíco-aramaíco com grandes trechos em hebraico.
– O Siddur (Livro de Orações)
A Mishnah é insuficiente como fonte para ter acesso à liturgia hebraica. Por isso é necessário dirigir-se ao Livro de Orações da liturgia hebraica, onde se encontram os textos litúrgicos oficiais. O Siddur é o grande livro dos hebreus amantes da oração. Por isso ele deve ser considerado, juntamente com a Mishnah, uma fonte insubstituível para compreender as orações de Jesus e os poucos dados neo testamentários.
A IMPORTÂNCIA DA BERAKAH
Berakah – Traduzida como benção, louvor, agradecimento, admiração. É um dos termos que condensa toda riqueza e originalidade do pensamento hebraico. A Berakah define a tríplice aliança: com Deus, com o mundo e com os seus semelhantes.
Em relação ao homem e ao mundo, Deus é a fonte, é a norma: cria o homem e o mundo e estabelece sua modalidade de usufruto e de multiplicação.
Em relação a Deus e ao mundo o homem é o interprete e beneficiário: é objeto da atuação divina e destinatário dos bens da terra.
Em relação a Deus e ao homem, o mundo é sacramento e dom: sinal da benevolência divina e dom concreto para o homem.
Com a oração de benção, o israelita reconhece estes três polos e a qualidade de suas relações. Reconhece a Deus como origem e proprietário das coisas, o mundo como dom que deve ser aceito e partilhado, o homem com os irmãos com as quais participam do único banquete da vida.
Deste modo a Berakah capta a verdadeira finalidade do mundo e se põe como condição para a realização do reino. Tudo é razão para bendizer! Por isso, de acordo com a tradição judaica precisa-se recitar uma benção diante de qualquer coisa.
Entre todas as bênçãos que devem ser elevadas a Deus tem uma particular importância as que estão ligadas aos frutos da terra. Antes de alimentar-se com o pão da terra, o judeu reza: “Bendito sejas, Senhor nosso Deus Rei do universo, que produzes o pão da terra. ” Não existe algo que não seja ocasião de uma Berakah. Até as realidades negativas, como a injustiça, a doença, em vez de levar ao desespero são motivos para benção e louvor.
A Berakah é a expressão de uma nova luz. Ela é a maior das atividades porque tem o poder de fazer novas todas as coisas.
A Berakah e a Torá: O judeu, além de bendizer o Senhor pelos frutos da terra o faz também pela Torá.
Sede bendito, Senhor nosso, Rei do universo que nos deu a Torá da verdade e que plantou em nosso meio a vida eterna. ” Bendisse-se a Torá porque ela do mesmo modo que os frutos da terra, alimenta e alegra o coração do homem. A Torá revela a finalidade dos bens da terra mediadores e dom da benevolência divina. O judeu é chamado a bendizer o Senhor diante das situações dolorosas e trágicas, não porque tem prazer no sofrimento, mas porque tem a inabalável esperança messiânica
A Berakah e o Milagre: A Berakah é o reflexo desta luz secreta das coisas. Onde ela está presente cria-se o milagre, onde ela está ausente se estende a opacidade. Para quem pratica a Berakah tudo é maná, é milagre
A Berakah e o Temor: O temor é o reconhecimento de que as coisas não são somente aquilo que são mas implicam também, embora de longe algo de absoluto. O temor é a percepção da transcendência, do fato de que tudo em todo lugar faz referência aquele que está além das coisas.
A Berakah nasce do temor e produz o temor porque une as coisas ao amor de Deus colocando-as sob seu olhar criador e providente. Graças a Berakah o universo se torna um imenso santuário em que se deve penetrar e atravessar com veneração e em estado contemplativo.
A Berakah e o Dom: A benção restitui a criatura à sua situação de dom enquanto sua ausência rebaixa as coisas à sombria consistência de instrumento e de mercadoria.
Jesus, dom supremo do amor de Deus ao homem além de revelar a realidade com o dom resume-a em sua pessoa e no seu mistério.
A Berakah e a Alegria: A oração de Benção, além de expressar a percepção real com o dom que deve ser assim participado, traduz também sentimentos de alegria e bem-estar. Ser capaz de bendizer a Deus, antes de ser um gesto de agradecimento, demonstra um sentido de plenitude.
A Berakah é um sinal de um coração pacífico e cheio de sentido. A alegria que a Berakah traz é dupla: alegria de saber que é objeto da benevolência de Deus e a percepção do mundo cheio de unidade e harmonia.
A Berakah e a Petição: Além da Berakah, a liturgia judaica se estrutura envolta de um segundo pólo, que é a invocação ou petição. O judeu, a orar, não louva a Deus somente pelas suas maravilhas e por seus dons, mas também lhe suplica por suas necessidades. Louvar e invocar, admirar e pedir, agradecer e suplicar são dois pólos da prece hebraica, tanto da individual como da comunitária.
A prece de petição dá forças ao “pobre” no calvário. Conserva-lhe a fé em Deus e não os deixa sucumbir em face as decepções; dá-lhe certeza do triunfo final da bondade divina e não o deixa desesperar diante das derrotas.
Mas esta força que a oração de petição dá termina sempre com um louvor. Se um “pobre” invoca a ajuda de Deus é para poder “louva-lo e agradecer-lhe melhor”. A finalidade profunda de toda petição (seja cura individual ou a libertação de Jerusalém) é de poder cumprir a vocação de louvar e agradecer.
– A Fórmula da Berakah
A respeito das diversas formas de benção, tem-se uma classificação de três categorias, cada uma com uma estrutura própria: bênçãos motivadas por objetos (“bens” concretos), bênçãos motivadas pela alegria de observar a Torá e bênçãos sem motivações particulares.
1. Bênçãos motivadas por bens concretos: São as bênçãos mais simples que se inicia com a fórmula – “Sê bendito, Senhor nosso Deus, Rei do universo” e termina com a menção da coisa ou da experiência que a motivou. Ex.: No caso da benção antes das refeições: que tiras o pão da terra; ou antes de beber um copo de vinho: que nos dá alegria com o fruto da videira.
2. Bênçãos motivadas pela alegria da Torá: São as bênçãos que são citadas antes de cumpri um mandamento e que se iniciam com fórmulas como esta: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, que nos santificaste com os teus mandamentos. ” Ex.: acender as luzes do Sábado.
3. Bênçãos sem motivações específicas e que exprimem petição ou louvor: são as bênçãos mais comuns da liturgia pública ou particular e diferem das precedentes pelo conteúdo e pela forma. Quanto à forma, elas iniciam e terminam com a mesma expressão: Sê bendito, Senhor. Quanto ao conteúdo, trata-se de afirmações diversas, que se encontram entre as duas bênçãos de abertura e de encerramento.
– A estrutura da Liturgia Judaica possui três unidades:
O Shemá Israel
O Shemá contém a essência da fé judaica. Consiste de três capítulos tirados da Bíblia.
O primeiro capítulo: “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo teu caminho ao te deitares e ao te levantares.
Atá-los-ás à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos. Tu os escreverás nos umbrais e nas portas de tua casa. ” (Deut. 6,4-9). Nessa parte falasse do uso da Tefillim e do Mezuzá .
* Tefillim ( Filatérios ) : A Torá descreve-o como um sinal, uma afirmação pública de envolvimento judaico. Ao colocar Tefillim o indivíduo dá expressão aos seus sentimentos básicos de identificação judaica e a sua importância para ele. Os Tefillim são colocados no braço, frente ao coração e sobre a cabeça. Isto significa a união do emocional e do intelectual à serviço de Deus. Homens (maiores de 13 anos) devem colocar Tefillim todos os dias da semana, exceto Shabbat e Festas Judaicas.
* Mezuzá:
A santidade do lar judaico é simbolizada pela Mezuzá, pequeno rolo de pergaminho, que contém os dois primeiros parágrafos do “Shemá Israel”. Enrolado o pergaminho, é ele colocado num estojo de madeira, metal ou cristal, que tem uma pequena abertura, através da qual se distingue a palavra Shaddai (Todo Poderoso) escrita nas costas do rolo. Fixa-se a Mezuzá no lado direito dos portais de todas as habitações em que vivem judeus, conforme as palavras bíblicas: “E as escreverás nos portais de tua casa e nos teus portões”. A Mezuzá distingue a casa judaica, fazendo lembrar aos moradores e visitantes, logo na entrada, quem é o criador de tudo o que somos e possuímos. Ela recorda o mandamento de se observar a Torá tanto em casa como fora dela.
O segundo capítulo: “Se obedecerdes aos mandamentos que hoje vos prescrevo, se amardes o Senhor, servindo-o de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, derramarei sobre a vossa terra a chuva em seu tempo, a chuva do outono e da primavera, e recolherás o teu trigo, o teu vinho e o teu óleo; darei erva aos teus campos para os teus animais, e te alimentarás até ficares saciado. Tende cuidado para que o vosso coração não seja seduzido e vos desvieis do Senhor para servir deuses estranhos, rendendo-lhes culto e prostrando-vos diante deles.
A cólera do Senhor se inflamaria contra vós e ele fecharia os céus: a chuva cessaria de cair, e não haveria mais colheita no vosso solo, de modo que não tardaríeis a perecer nesta boa terra que o Senhor vos dá. Gravai, pois, profundamente em vosso coração e em vossa alma estas minhas palavras; prendei-as às vossas mãos como um sinal, e levai-as como uma faixa frontal entre os vossos olhos.
Ensinai-as aos vossos filhos, falando-lhes delas seja em vossa casa, seja em viagem, quando vos deitares ou levantardes. Escreve-as nas ombreiras e nas portas de tua casa, para que se multipliquem os teus dias e os dias de teus filhos na terra que o Senhor jurou dar a teus pais, e sejam tão numerosos como os dias dos céus sobre a terra. ” ( Deut. 11,13-21 ) Nesse trecho os Tefillim e Mezuzá são novamente mencionados como os símbolos da observância prática dos preceitos divinos.
O terceiro capítulo: “O Senhor disse a Moisés: ‘Dizei aos israelitas que façam para eles e seus descendentes borlas nas extremidades de suas vestes, pondo na borla do cada canto um cordão de púrpura violeta. Fareis essas borlas para que, vendo-as vos recordeis de todos os mandamentos do Senhor, e os pratiqueis, e não vos deixeis levar pelos apetites de vosso coração e de vossos olhos que vos arrastam à infidelidade. Desse modo, vós vos lembrareis de todos os meus mandamentos, e os praticareis, e sereis consagrados ao vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei do Egito para ser o vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus’ ” (Num. 15,37-41). Esse trecho faz referência ao Tallit .
* Tallit :
É uma peça de vestimenta em forma de escapulário distintamente judaica que é um constante lembrete de todas as leis da Torá. É composta de quatro fios duplos de lã, linho ou seda, as sisit, que pendem dos quatro cantos do manto de preces. Mas, como as roupas atuais são bem diferentes das de outrora, e como nós não mais vestimos mantos quadrados, amarramos as sisit ao chale branco que os homens vestem para as orações e a uma peça menor de fazenda, pequeno Tallit . O Tallit (como também o tefillim ) obedece a uma lógica teológico-pedagógica: como sinal e instrumento de santidade; mais do que simplesmente recordar o que o Senhor quer, faz viver em santidade à qual o Senhor chama.
O judeu religioso deve proclamar o Shemá duas vezes ao dia: “Quando te deitas e quando te levantas” e essa proclamação é acompanhada das bênçãos, respectivamente, da manhã (duas Berakah antes e uma depois) e da tarde (uma Berakah antes e duas depois).
A Tefillah
A tefillah é, depois do Shemá, o segundo momento central da prece hebraica. Compõe-se de uma série de bênçãos breves ou orações feitas três vezes ao dia: de manhã, ao meio-dia e à tarde, e é a “oração por excelência ” da liturgia hebraica. Intimamente ligada ao Shemá, de acordo com a tradição rabínica, ela é recitada logo depois da benção final do Shemá.
A tefillah é composta de 19 bênçãos (antigamente 18) subdividida em três grupos ou seções:
1. as três primeiras bênçãos
São uma introdução e se concentram no tema do louvor a Deus, glorificando-o por seus atributos principais: amor (hesed), força (gevurah) e santidade (qedushah).
2. as últimas três bênçãos
É definida como benção de agradecimento, apesar de conter uma súplica de restauração do templo de Jerusalém e do dom da paz.
3. as treze bênçãos intermediárias
São o coração da tefillah e constituem uma série de pedidos a Deus, a fim de que Ele conceda a seu povo tudo o que é necessário para a vida. São a “Carta Magna” do judaísmo, através da qual conhecemos o que ele tem como verdadeiramente importante, que pode se dividir em: bens espirituais – a inteligência, a penitência e o perdão; bens materiais – a liberdade pessoal a saúde, o bem-estar, a unificação dos dispersos; bens sociais – a justiça integral, o castigo dos inimigos, a recompensa dos justos, a Nova Jerusalém, o Messias e o atendimento das preces.
A qeri’at Torá (a “leitura da Torá”)
A Torá (Lei, ensinamento) é composta do Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio.
A Tanah é um livro utilizado pelos judeus que é composto pela Torá e os livros do Antigo Testamento. Os judeus não reconhecem os seguintes livros como inspirados: Judite, Tobias, Macabeus I e II, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc.
Além do Shemá Israel e da tefillah, outro núcleo da liturgia hebraica é a qeri’at Torá feita na sinagoga às segundas-feiras, nas terças e aos sábados, nos dias festivos e semifetivos. Entre os vários imperativos do Shemá há um particularmente importante: “Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo teu caminho ao te deitares e ao te levantares”. Se o mandamento bíblico quer inculcar o amor à Palavra de Deus em todas as gerações, a qeri’at Torá, feita na sinagoga em determinados dias e de acordo com modalidades particulares, responde a este mandamento: com ela, o povo de Israel nutre-se da Palavra de Deus, lendo-a e comentando-a.
Não se pode compreender o judaísmo sem a Torá, que é sua alma e substância, seu segredo e seu fascínio. A sua importância central na tradição hebraica é expressa mais pela linguagem figurada do que pela argumentação racional. Devido a sua importância, a Torá é lida e comentada na sinagoga três vezes por semana.
MOMENTOS PESSOAIS E COMUNITÁRIOS DA ORAÇÃO JUDAICA
São os seguintes os setores nos quais o judeu vive sua religiosidade: o pessoal, o familiar e o comunitário.
As orações individuais o judeu recita a sós no decorrer do dia. As orações familiares são feitas diariamente durante as refeições, semanalmente aos sábados e anualmente por ocasião da festa da Páscoa. As orações comunitárias são feitas nas sinagogas nos dias comuns, nas festividades e por ocasião de acontecimentos especiais. A oração é como a vida: de um lado é sempre idêntica, mas de outro, é sempre nova.
• Berakah Individuais
Ao acordar pela manhã: O ato de levantar-se – pelo qual se volta da noite à vida – deve ser acompanhado de uma série de bênçãos. O Talmud babilônico descreve minuciosamente as diversas fases que caracterizam a passagem do sono ao estado de vigília, e a elas os judeus recitam uma Berakah. Ex.: Ao ouvir o canto do galo se diz: “Bendito seja aquele que deu inteligência ao galo, para distinguir o dia da noite”. Ao abrir os olhos se diz: “Bendito aquele que dá ao cego a capacidade de ver”.
Quando de manhã acordamos e nos pomos em relação com o mundo, o importante não é saber como isto se dá, mas que, se isto acontece, é pelo amor de Deus que cria e recria. No voltar à vida consciente, é Deus que devolve “a alma ao corpo morto”.
Ao deitar-se à noite: A oração da noite compõe-se de duas unidades fundamentais: a reza do Shemá e uma benção específica. Se pela manhã Deus é invocado como “aquele que desfaz os laços do sono dos olhos” e a “sonolência das pálpebras”, aqui ele é como “quem faz cair os laços do sono sobre os olhos e os da sonolência sobre as pálpebras. ” Deus é o autor tanto da vigília quanto do sono.
Durante o dia: A benção caracteriza também outros momentos do dia, tanto os de trabalho quanto os de recreação. Não existe coisa ou ação que não possa ser transfigurada pela Berakah. Até para as necessidades fisiológicas, que consiste em bendizer a Deus por ter criado o homem com “orifícios e canais” que lhe garantem a saúde e o bem-estar o judeu reconhece um motivo para bendizer ao Criador. Uma oração destas poderia parecer-nos ridícula, mas o judeu não pensa assim. Ele vê no harmonioso funcionamento do corpo humano o reflexo do amor e da perfeição divina.
Durante o dia agradece-se a Deus não apenas “pelo bem”, mas também “pelo mal”, porque segundo a máxima do Talmud, “tudo aquilo que Deus faz, fá-lo visando o bem”.
Para casos específicos: Deus é louvado também em ocasiões especiais, tais como uma viagem, uma doença ou na proximidade da morte. O moribundo, que sente seu fim aproximar-se, deve fazer uma confissão de fé.
Também por ocasião da doença o judeu religioso bendiz a Deus. Do mesmo modo, pode-se recitar bênçãos por ocasião de um aniversário, de um empreendimento, de uma viagem, por ter escapado de um perigo etc.
• Liturgia Familiar
O primeiro lugar sagrado da liturgia hebraica é a casa, tida como “um santuário”. Para o judeu a casa era realmente um templo. A mesa da família era considerada um altar, as refeições como um rito sagrado e os pais como sacerdotes celebrantes.
No santuário familiar são três as principais celebrações: uma cotidiana, ligada à refeição; a segunda semanal, ligada ao Shabbat; a terceira, anual, ligada à festa de Pesach.
Estas “celebrações” se relacionam e se integram reciprocamente esclarecendo-se e enriquecendo-se mutuamente. São elas:
1. A Birkat ha-mazon
A refeição familiar representa para o judaísmo, o ato religioso por excelência. Por isso, mais do que qualquer outro ato do dia-a-dia ela é acompanhada por uma série de bênçãos específicas.
Para o judeu, comer é algo mais do que uma agradável satisfação física e nutritiva, tornando-se o pão para eles realmente como um dom de Deus. Além do simbolismo do dom, o ato de comer nos lembra também o ato de reconhecer Deus como origem dos frutos da terra, significa afirmar que eles são destinados a todos. Encarando as coisas como dom e Conde visão, a Berakah não anula o esforço do homem, o pão é resultado de duas intervenções: a divina e a humana.
A refeição é acompanhada de duas Berakah: uma brevíssima, que a precede: Birkat ha-mosi que se reza assim: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, rei do universo, que tiras o pão da terra”; a outra mais longa e sistematizada, que a encerra, que é a prece por excelência da refeição: Birkat ha-mason .
Ela é considerada como a mais antiga e mais importante de todas as bênçãos do ritual hebraico, uma vez que é a única benção expressamente prescrita pela Torá: “Comerás e ficarás saciado, e bendirás a Iahweh, teu Deus, na tenda que Ele te houver dado” (Deut 8,10). Ela se compõe de três bênçãos através das quais se agradece a Deus pelo alimento, pela terra e por Jerusalém.
A primeira que se inicia com as palavras “tu que nutres”, foi feita para Israel por Moisés, no período em que o maná caiu do céu: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, rei do universo, que em tua bondade nutres o mundo inteiro…”. Esta benção celebra Deus como “anfitrião” do universo, que alimenta por amor todas as criaturas.
A segunda foi composta por Josué, quando os judeus tomaram posse da terra. Ela agradece a Deus pelo belo e espaçoso país dado a Israel: “Rendemos-te graça, Senhor nosso Deus, por haver dado a nossos país um país delicioso, belo e grande …”
Salomão e Davi instituíram a terceira, invocando Deus e lhe agradecendo como reconstrutor de Sião: “Senhor, nosso Deus, tem piedade de Israel, teu povo, de Jerusalém, tua cidade, tabernáculo da tua glória”.
Enquanto a primeira benção agradece a Deus pelo alimento e a segunda pela terra, esta terceira é uma invocação a Deus para que se conserve sempre Sua misericórdia.
2. A Festa do Shabbat
É impossível compreender a espiritualidade hebraica sem penetrar nos meandros luminosos do Shabbat, que é sua fiel expressão e seu fruto eficaz.
O Shabbat é a celebração semanal da criação do mundo por Deus: “Em seis dias, Deus criou os céus e a terra e no sétimo dia descansou”.
Ao celebrar o Shabbat, reafirma-se o “contrato” entre os homens e Deus, assim o faz o povo judeu.
Está escrito: “Recorda-te o dia do Shabbat e santifica-o”. Isto está explicado no Talmud, significando que a cada dia da semana, deve-se se preparar para o próximo Shabbat. Preparar comidas especiais, limpar a roupa e a casa, são exemplos desta mitsvá. O Shabbat incrementa a crença na grandeza de Deus. Para ajudar o homem a afirmar sua crença no “cessar de mais um dia da criação” do Criador no sétimo dia, o homem se abstém de certos trabalhos no Shabbat. Ao não acender o fogo, por exemplo, o homem mostra sua unificação com Deus. Assim como Deus cessou a criação, assim faz o homem.
O Shabbat rompe a monotonia que governa nossas vidas durante a semana. Prevê um propósito e significado às vidas das pessoas, as quais se encontram frequentemente com pouca ideia de aonde vão e porque existem. Ele oferece às famílias uma oportunidade de se sentarem juntos e se comunicarem num ambiente de unidade familiar.
Começando com uma Berakah pronunciada pela mãe e terminando com outras três bênçãos chamadas de havdalah recitadas pelo pai, a celebração do sábado tem seu momento culminante na reza do qiddush feita sobre um copo de vinho antes da refeição familiar. O acender das velas, o qiddush e o havdalah são os três ritos principais que acompanham a família judia no dia de sábado.
O acender das velas
No calendário judaico, um dia de 24 horas começa ao anoitecer e considerando-se que é proibido acender fogo durante o sábado, as velas do Shabbat são acesas na sexta-feira à tarde, quando a parte baixa do horizonte está pálida, porém não a parte superior. Isso é feito pela mãe e seguida de uma benção. A luz que não se apaga mais é expressão material da beleza e do sentido oculto do dia-a-dia.
Para os judeus o menorah, espécie de candelabro, tem também um significado religioso. As sete velas indicam as sete presenças de Deus: Deus acima, Deus abaixo, Deus à frente, Deus à trás, Deus do lado esquerdo, Deus do lado direito e Deus dentro.
O qiddush
O qiddush é recitado pelo pai de família ao redor da mesa preparada festivamente sobre a qual a mãe acendera anteriormente as luzes. Ele consiste na benção e distribuição de um copo de vinho e na benção e divisão de um pedaço de pão, seguindo-se logo depois a verdadeira ceia, que é tomada entre cantos e alegrias.
A havdalah
Como o início do Shabbat – descanso, é caracterizado por alguns ritos, assim também é o seu fim. A cerimônia é chamada de havdalah (separação) porque marca a diferença entre o sábado, que está por terminar, e os dias comuns que vão se iniciar. Compõe-se de quatro breves bênçãos pronunciadas sobre um copo de vinho, sobre ervas perfumadas e sobre a luz. É feita sábado à noite.
3. Seder Pascal
Trata-se do mais sugestivo, do mais alegre e do mais inesquecível de todos os ritos familiares do judaísmo. Nele se celebra o acontecimento fundamental da história e espiritualidade do judaísmo: o fim da escravidão e o início da liberdade. Consiste na participação em uma refeição simbólica (antes da refeição real), no qual cada elemento lembra um aspecto da noite que Deus tirou o povo do Egito. As ervas amargas lembram os sofrimentos dos antigos pais; a pata do cordeiro assado, o sacrifício do cordeiro que obriga o anjo da morte a “passar a diante” nas portas dos judeus; o haroset, um doce feito de mel e nozes, a alegria e doçura da liberdade.
A refeição da noite de Páscoa, a mais solene e mais rica entre todas as refeições judaicas, acentua três momentos particulares:
1. A ceia real e propriamente dita realizada na abundância e na alegria.
2. Um longo momento simbólico–ritual, que aprende, se revive e se explica, sobretudo aos mais jovens, a significação perene da noite pascal.
3. Outros momentos simbólicos–rituais nos quais prevalece o agradecimento e o canto.
• A Liturgia das Sinagogas
Além das orações feitas em particular e no âmbito familiar, o judeu reza em comunidade, no âmbito da sinagoga.
Sinagoga (do grego syn – agoge = reunião, convocação ) é a tradução do hebraico bet há – keneset , que significa casa da assembleia. Diferente do Templo, a sinagoga é caracterizada pela comunidade, que constitui seu sentido, sua substância onde um grupo de pessoas se encontram com a intenção de rezar e de ouvir e estudar a Torá.
Principais características da sinagoga:
• A primeira diz respeito a sua laicidade. Nela os sacerdotes e levitas, os responsáveis pelo culto por direito de nascença estão no mesmo plano que todos os outros participantes e não gozam de nenhum privilégio particular. Qualquer pessoa pode animar a oração, entoar cantos ou ler a Torá.
• A segunda, é o sentimento de igualdade. Dentro da sinagoga não há hierarquia e todos gozam dos mesmos direitos e deveres.
• A terceira, refere-se ao número indispensável para formar a sinagoga como tal. Dez adultos do sexo masculino que com a confirmação tornam-se, com todos os direitos, membros da comunidade.
Na sinagoga o culto é celebrado diariamente e em ocasiões especiais:
1. Nos dias úteis
Na sinagoga o culto é celebrado de manhã (shahrit ), ao meio dia ( minhah ) e à tarde ( ma’ariv ) além da reza do Shemá, da tefillah e da queri’at Torá.
I. Liturgia da Manhã
1. Bênçãos e Salmos preliminares
2. Qaddish
3. Shemá
4. Tefillah
5. Qaddish
6. ‘Alenu
7. Qaddish da pessoa em luto
8. Orações finais
II. Minhah (Liturgia do Meio-Dia)
1. Salmo
2. Qaddish
3. Tefillah
4. ‘Alenu
5. Qaddish
III. Ma’ariv (Liturgia da Tarde)
1. Breves leituras de salmos
2. Shemá
3. Tefillah
4. Qaddish
5. ‘Alenu
6. Qaddish da pessoa de luto
Entre estas orações o qaddish e a ‘alenu tem uma importância especial. O qaddish proclama a santidade de Deus magnificando sua grandeza e invocado, sobre o mundo, a plenitude de sua consolação e paz. A oração do ‘alenu proclama Deus como supremo rei do universo e como Deus de toda humanidade reunificada.
2. Durante o Shabbat
Os judeus freqüentam a sinagoga nos dias úteis, mas principalmente aos sábados. Para o Shabbat a liturgia é enriquecida de elementos simbólicos e textos especiais: a qabbalat Shabbat ( a acolhida do Sábado ), o nishmat kol hay ( “a alma de tudo que viu”) e a leitura da Torá.
A qabbalat Shabbat é um conjunto de salmos e de poemas que se recita à tarde da sexta-feira na sinagoga, como início da festa do sábado
O hino nishmat kol hay é proclamado na oração da manhã.
E quanto a leitura da Torá, o Sábado é dedicado de modo particular à leitura da mesma. Ela é lida em rolos de pergaminho escritos à mão e envolvido numa mantilha.
3. Por ocasião de acontecimentos particulares
Nascer, tornar-se adulto, casar-se e morrer são também para Israel, como todas as religiões, momentos importantes marcados pela oração comunitária feita na sinagoga.
A cerimônia litúrgica referente ao nascimento de um menino é chamada berit–mila (“aliança da circuncisão”), e por ela o recém-nascido torna-se filho de Abrãao. O rito é atribuído diretamente a Deus e acontece no oitavo dia de vida. Logo depois o menino, na sinagoga é circuncidado. A circuncisão é acompanhada de berakah.
No rito do matrimônio, a fórmula do qiddush é a usual, pronunciada sobre um copo de vinho. O esposo e a esposa bebem dele juntamente, como sinal de um destino comum e alegrias e esforços. Depois do qiddush o esposo põe a aliança no dedo da esposa pronunciando estas palavras: “Eis com este anel tu estás consagrada a mim, de acordo com a lei de Moisés e de Israel.”. Depois vem a assinatura de um documento e em seguida rezam-se as sete berakah, um hino de louvor a Deus pelas suas maravilhas, sendo que a maior delas é a “invenção do casal”, a criação do homem e da mulher, um para o outro. O rito termina com a quebra de um copo de vinho, a finalidade é lembrar aos esposos que ninguém (nem eles próprios) pode ter uma felicidade definitiva e completa.
Quanto aos funerais, diante da morte o judeu reafirma sua submissão à vontade divina. Ele não reconhece nela um ato de injustiça, mas um ato de amor e de sentido da parte de Deus.
Quando uma pessoa morre, sua morte é anunciada com uma benção, seguida de uma série de orações.
Normalmente o corpo não é levado à sinagoga, mas diretamente ao cemitério onde a liturgia é rezada.
Quando finalmente o túmulo vai ser fechado recita-se um qaddish, que é um hino de louvor à soberania de Deus e uma confissão explícita da futura ressurreição dos mortos: “Que seu nome seja engrandecido e santificado no mundo que Ele está por criar de novo, no qual Ele acordará os mortos e os fará ressurgir para a vida eterna…”
A CELEBRAÇÃO DAS FESTAS
Os israelitas fazem coincidir algumas de suas festas com o ciclo do tempo.
Para eles a festa tem o sentido de afirmar a bondade do mundo, razão porque o homem pode usufruir dele, e porque Deus lhe dá o fundamento. O mundo é bom e é fruto da manutenção do sagrado e sobre o sagrado.
As festas se classificam em três tipos:
• Festas da peregrinação: Pesach, Shavu’ot e Sukkot
Celebram e atualizam o maior evento salvífico de Israel: o êxodo, a aliança e a entrada na Terra Prometida.
A Festa de Pesach
É a maior festa judaica, não somente do judaísmo pós-bíblico, mas do próprio A.T. Originalmente uma festa agrícola, ela se tornou em Israel a comemoração por excelência da libertação do Egito.
Entre a nova páscoa hebraica que celebra a libertação e as páscoas agrícolas, que celebram a fecundidade dos rebanhos e dos campos maduros não há justaposição nem contraposição, mas nova compreensão e reinterpretação.
Se a celebração do Seder Pesach na liturgia familiar é rica, cheia de fantasia e de sugestões, na sinagoga ela é essencial e concisa.
A benção feita para ela tem um sentido teológico: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, rei do universo, que nos escolhestes entre todos os povos, nos distinguistes entre todas as línguas, nos santificastes com os teus mandamentos e que, no teu amor nos destes as festas para nossa alegria: este dia de festa dos ázimos, dia de liberdade e dia de felicidade consagrado a uma santa assembleia e à lembrança da saída do Egito. Tu és quem nos escolheu, nos santificou acima das outras nações e nos deste como herança, alegria e júbilo. ”
Shavu’ot: A Festa das Primícias
Contareis cinquenta dias até o dia seguinte ao Sábado e oferecereis então a Javé uma nova oblação” (Lev 23,15-16)
Shavu’ot quer dizer semanas. É a festa que se celebra depois de sete semanas a partir do dia da Pesach.
Pentecostes – A festa das primícias torna-se um aprofundamento, festa da Torá
A festa lembra as primícias e a revelação no Sinai, a fecundidade da terra e a obediência do homem. Deus os fez sair do Egito para dar-lhes o dom da Torá.
Adorna-se as sinagogas com ramos verdes.
A Festa de Sukkot: A Alegria da Colheita
Traduzido como Tendas ou Tabernáculos. É a festa por excelência das festas da peregrinação. É uma grande alegria popular que se estende por sete dias. Celebra-se também a alegria pelo dom da Torá.
Nesta festa as moças de Jerusalém saiam dançando com vestes brancas e cantando “Jovem levanta a vista e vê aquele que queres escolher” e no tempo do Novo Testamento os homens religiosos e importantes da cidade dançavam no átrio do templo, cantando e segurando nas mãos tochas acesas.
É a última festa da colheita e se destaca por ser a última e ter-se mais necessidade de acentuar a grandeza de Deus e a dependência do homem dos frutos da terra.
• Festas austeras: rosh há – shanah e yom kippur
Celebram o evento do mau uso da liberdade humana, lembram a infidelidade do homem à fidelidade de Deus, e são dias de grande arrependimento e de profunda conversão.
Rosh há – shanah
É um dos “anos-novos” dos judeus, o religiosamente mais determinante.
Primeiramente lembra ao povo a criação do mundo. Todo ano novo, como na primeira manhã da criação, Deus faz o mundo de novo e o confia ao homem, para que colaborando possa aproveitar-se dele e dele desfrutar.
Além da criação, rosh há – shanah, é também o início dos eventos salifico. É nele que Deus se recorda de Sara, que Isaac é gerado e que Ana dá a luz a Samuel etc. … Ele é, portanto, a afirmação de que a raiz do tempo não se encontra no tempo, mas no ágape de Deus que o quer e cria. É um sinal que Deus se “recorda” do homem. Finalmente, ele é também uma lembrança do dia do juízo.
Festa do Yom Kippur
Celebrado como o dia da expiação. O dia do Grande Perdão.
É o dia culminante dos dez dias de penitência, iniciados com rosh há – shanah, dia do juízo divino.
Esta eliminação / purificação não é obra do homem, mas dom de Deus, que renova a sua promessa de criação e de aliança, sem considerar as infidelidades do homem.
Promove a consciência e confissão dos próprios pecados. Consciência também da quebra da aliança e motivação do desejo de vive-la. Mostra que pode se cancelar o mal através da obediência da fidelidade. O perdão do qual falamos aqui, não é uma fórmula mágica que tira a responsabilidade, mas um dom exigente, que desperta a consciência para suas opções.
O perdão de Deus está ligado ao perdão do irmão; yom kippur reconcilia com Deus, se em rosh há-shanah e nos outros dias penitenciais nós nos reconciliamos em primeiro lugar, com os irmãos. A relação entre perdão de Deus e o perdão do irmão não é causativa, mas reveladora; “se tu perdoaste o teu irmão, quer dizer que tu já estás dentro do perdão de Deus”.
Se com a criação Deus entregou ao homem o Éden “para que o cultivasse e o guardasse”, com o perdão, ele o cria novamente para o homem e lho presenteia de novo, mesmo depois de ele o ter desfigurado e roubado. A consciência desta realidade fez do yom kippur a festa mais universalmente observada do judaísmo.
• Festas menores: Hanukkah e Purim
São assim porque não tem a sua origem num mandamento da Torá e se referem a acontecimentos da história dos judeus.
Hanukkah
Refere-se à reconquista do templo na guerra contra a Síria ( 165 d.C. ).
É uma festa sóbria e séria.
Purim
Refere-se à libertação da escravidão persa, graças à coragem e à oração de Ester.
É uma festa mais alegre e popular.
Ambas as festas celebram um acontecimento de libertação, semelhante ao da Pesach, que lhes serve de fundamento e modelo. Elas, de um lado lembram todas as tentativas históricas de aniquilar o povo hebraico (dos persas aos romanos até ao nazismo), testemunham ao mesmo tempo a força dos filhos de Israel, que sustentados por Deus, conseguiram sobreviver e triunfar.
Com essas festas, eles revivem a lembrança que Deus é mais forte que seus inimigos e que é sempre possível libertá-los de sua escravidão.
Além dessas enumeram-se outras várias festas judaicas.
LITURGIA JUDAICA X LITURGIA CRISTÃ
Vive-se hoje, ainda, uma certa ignorância em relação ao povo judeu, ao povo do Antigo Testamento. Há muitos que creem que o judaísmo desapareceu com a queda de Jerusalém no ano 70 D.C. , mas sobretudo existe o desconhecimento quanto à liturgia, da qual a cristã herdou muitos elementos e modelos.
Num primeiro nível de ignorância, os textos judaicos são inconscientemente considerados farisaicos” (com tudo o que de negativo é atribuído a este termo), incapazes de expressar e condensar a beleza do diálogo com Deus, esquecendo-se que Jesus rezou através destes textos, e que os mesmos fizeram a Virgem Maria, os apóstolos, e a Igreja primitiva por muitos decênios.
Isso transferiu-se também para a liturgia judaica, acarretando para com ela sentimento de estranheza e de distanciamento e como consequência uma ruptura da liturgia cristã com suas raízes naturais.
Mas como seria possível a Eclésia sem a sinagoga, a liturgia da Palavra sem a Torá, a prece eucarística sem a Berakah, a ceia sem a birkat há-mazon, a Páscoa sem Pesach, Pentecostes sem Shavu’ot, o domingo sem o Shabbat, o ofício divino sem o tehillim, a conversão sem o Yom Kippur etc.
Afirmando estes laços, não queremos negar a originalidade da liturgia cristã, reduzindo-a a um produto e prolongamento da judaica, mas delimitar o seu verdadeiro lugar de nascimento e de confronto. A novidade da liturgia cristã consiste na interpretação cristo lógica dos dados hebraicos, não no seu cancelamento, mas na sua diferenciação. Esta reflexão é importante, principalmente para compreender o sentido das festas cristãs. Geralmente, costuma-se dizer que, como o judaísmo fez das festas agrícolas, festas históricas, assim a Igreja as cristianizou, celebrando no Natal, Páscoa e Pentecostes a memória do nascimento, morte e ressurreição, e presença de Jesus no dom do Espírito Santo. A afirmação é verdadeira, contanto que ela seja entendida não como esvaziamento dos significados da festa judaica, mas como sua reafirmação e realização.
Como as festas judaicas não aboliu a densidade material e terrestre das festas agrícolas, assim, as festas cristãs não anula, mas reassume e radicaliza o sentido das festas hebraicas.
Um segundo nível de ignorância é pensar na liturgia como documento histórico de um povo extinto, não como oração de uma comunidade ainda viva e cheia de fé. É necessário, tomar-se a consciência de que a liturgia hebraica não é um fato do passado, e que nela se presta culto ao mesmo Deus dos cristãos.
Pode-se correr o risco de achar que atualmente o rito hebraico tenha desaparecido, não levando em conta o fato de que ele é hoje uma experiência espiritual para milhões de judeus religiosos contemporâneos. Ao contrário, lembrar-se de que esta fé continua a ser vivida ainda hoje, pode ajudar a Igreja a não se esquecer de que recebeu a revelação do A.T. por intermédio daquele povo, com o qual, Deus, em sua inefável misericórdia, se dignou fazer a antiga Aliança, e que, como escreve o apóstolo Paulo, “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11,29). Conhecer a liturgia judaica não é só aumentar a própria bagagem histórica e cultural, mas sobretudo penetrar na alma em oração do povo judeu, que através dos séculos eleva sua voz e louvor e de invocação a um Deus que é o mesmo Deus de Jesus e dos cristãos, o único Deus de todos os homens e de todas as religiões.
É com certeza nesse nível que as liturgias judaicas e cristãs encontram, como “irmãs”, os seus maiores pontos de contato e consonância: isto porque tanto uma como outra anunciam o Reino de Deus, proclamam e santificam o Seu nome, louvam-no, agradecem e invocam seu advento. A santificação do Nome, a qedushat hashem, é o coração tanto da liturgia hebraica como cristã, o verdadeiro ponto de encontro e de confronte dos dois povos da aliança.
Uma das metas para o qual se inclina o viver hebraico é sentir os atos mais banais como aventuras espirituais, e perceber o amor e a sabedoria que se escondem em todas as coisas.
Se é verdade, como vem sendo denunciado por vários lados e com insistência, que o mundo jamais esteja como nos dias de hoje tão ameaçado pela banalidade e pela falta de sentido, a liturgia cristã e a liturgia hebraica centralizada na berakah, são a resposta adequada a esta situação de emergência, ajudando a descobrir o “amor e o sabor que se encontra em todas as coisas”.
Judeus e cristãos são chamados a colaborar pela afirmação deste “amor” e desta “sabedoria” condensados nos nossos textos litúrgicos que, embora diferentes se atraem e se influenciam, como notas de um único canto: o canto do amor de Deus, fundamento e garantia do amor pelo homem.
Isaac teve dois filhos: Esaú e Jacó. Esaú vende seu direito de primogenitura à Jacó e esse depois rouba a benção de seu irmão e foge. Numa luta com Deus, Jacó recebe o nome de ISRAEL. A partir de então toda a descendência de Jacó será chamada de povo ISRAELITA.
Jacó tem doze filhos e um deles, José, é vendido por seus irmãos. José acaba indo para o Egito e trabalhando na casa do faraó de quem passa a ser estimado. Enquanto isso, Jacó e seus filhos passam por dificuldades em Canaã. Indo para o Egito atrás de alimento, encontram com José, então primeiro ministro do Egito, que perdoando seus irmãos, traz toda sua família para lá. Muito tempo se passa da morte de Jacó e de José quando outro faraó que não conhece José assume o Egito. Percebendo que o povo hebreu era de grande número e temendo que este tomasse o Egito, escraviza o povo.
Com isso, Deus suscita Moisés que liberta o povo do Egito. Para retornar para a terra prometida, Canaã, o povo passa quarenta anos no deserto. Nesse momento, Deus quis solenemente fazer a Aliança com seu povo: “Se obedecerdes à minha voz e guardardes a minha aliança, sereis, entre todos os povos, o meu povo todo particular…sereis um nação consagrada” (Ex 19, 5-6 ) Recebem então a Lei como uma “carta” desse contrato. O Decálogo, os dez mandamentos de Deus, acrescido de leis rituais é o primeiro esboço de uma legislação social e religiosa. Moisés não entra na terra prometida, terra que emana leite e mel. Josué é quem entra com o povo na terra prometida, onde vários povos a habitavam, pela tomada de Jericó.
Ao conquistarem a Palestina a terra é ocupada em doze territórios de acordo com as doze tribos, que representam os doze filhos de Jacó. Nesse período de conquista da terra e alguns anos que se seguem após, caracterizou-se por época dos Juízes. Essa época é marcada por constantes lutas com os antigos moradores dessa região. O pequeno povo dos hebreus aos poucos foi-se desenvolvendo como reino no meio de seus vizinhos. É a época conhecida como a do Reis. Destaca-se nesse período o rei Davi conhecido por seu amor a Deus e experiência com Sua misericórdia. O sucessor de Davi é Salomão, seu filho.
Com a morte de Salomão, o reino é dividido em reino Norte, chamado de reino de Israel devido às doze tribos e o reino Sul, conhecido com reino de Judá por causa da tribo de Judá (a qual juntou-se a tribo de Benjamin). O reino de Judá tinha como capital Jerusalém, onde estava o Templo de Jerusalém construído por Salomão para que lá pudesse prestar a Deus o culto e os ritos de expiação. O reino do Norte tinha como capital a Samaria. Esse reino conhecido por sua idolatria devido à influência dos povos vizinhos, todos politeístas, logo foi destruído pelos assírios. Subsistiu Judá, que logo depois foi também invadida e destruída pelos babilônios. Uma parte dos israelitas foram exilados.
Foi no exílio da Babilônia que os hebreus foram chamados de JUDEUS por causa da tribo de Judá e sua religião. No reinado de Ciro, rei da Média, grande potência da época que dominou a Babilônia os judeus voltam e reconstroem Jerusalém.
Os israelitas privados de seus reis tentam organizar-se como uma comunidade religiosa. Anos depois sob o domínio da dinastia dos generais de Alexandre Magno, época do império grego, os judeus sofrem grande perseguição de Antíoco Epífanes, rei da Síria. É a época da revolta e da guerra santa de libertação empreendida por Judas Macabeu. A Judéia passa então por um período de independência até que sendo Roma o grande império, a Palestina é reduzida a uma província romana. A Judéia é dividida em quatro regiões (tetrarquia).
Anos depois é delineado um novo movimento de independência provocando uma guerra civil e o último sítio de Jerusalém. No ano 70 tem-se a destruição da Cidade Santa, Jerusalém, terminando a história dos antigos israelitas. O povo judeu é então espalhado por todo o mundo.
AS FONTES DA LITURGIA JUDAÍCA
Entre todas as fontes da liturgia hebraica, a primeira e a mais importante é a Mishnah, uma coleção de leis e normas judaicas, coleção essa que surgiu no ano 200 DC. Mas cujo conteúdo é antiquíssimo, antecedendo o próprio período de Jesus. Embora escrita duas gerações depois do Novo Testamento, a Mishnah contém relatos bastante confiáveis sobre os costumes que prevaleceram durante o N.T.
– Os Tratados Litúrgicos da Mishnah
Uma das práticas mais importantes sobre as quais a Mishnah nos informa amplamente é a que se refere à liturgia e ao culto. Das seis partes que a compõem duas são dedicadas explicita e exclusivamente a este tipo de costumes.
A Mishnah nos informa concretamente:
Sobre o culto sacrificial.:
A este assunto é dedicada toda quarta parte: Qodashim, “Coisas Sagradas”, que trata dos sacrifícios, das oferendas de farinha e de bebida, do abate de animais, do ritual diário do templo e de sua arquitetura.
Sobre as diversas festividades ou datas importantes do povo judeu.:
A elas é dedicada toda a segunda parte, Mo’ed, que significa “Festas”, “Datas Importantes”, e que trata do Shabbat (Sábado), da Pesah (Páscoa), do Yom Kippur (Dia da Expiação), do Sukkot (Tabernáculos), do Rosh Ha-Hanak (Ano Novo) e do Purim (sorte, destino). Este trabalho nos informa sobre toda liturgia da sinagoga e sobre suas maiores conexões e instituições (sábado, festa da peregrinação e festas menores).
• Sobre a Berakah (Benção) que é a animação e expressão da liturgia e da oração hebraica, sua força e seu grande tesouro. Do tema da Berakah a Mishnah dedica nada mais que o primeiro tratado da primeira parte intitulado de Berakot cujo os nove capítulos são assim subdivididos: Os três primeiros desenvolvem o tema Shemá Israel; o quarto e o quinto falam da oração em geral; o sexto, o sétimo e o oitavo da 0 (a oração de benção depois da refeição, a oração de benção por excelência); o nono e último capítulo trata ainda de outras bênçãos. A Berakah é a raiz e o fundamento da Mishnah: ela a gera e constitui e a justifica.
– O Talmud
Logo depois da sua redação a Mishnah se tornou objeto de estudo e discussões, não somente na Palestina, onde ela apareceu, mas também na Babilônia, onde havia academias importantes e florescentes. O Talmud pode ser considerado como grande dossiê dessas discussões. Ela compõe-se de duas partes: a primeira que reproduz o texto da Mishnah, e a segunda, que compõe de análise e aprofundamento deste texto.
O Talmud Torá, o estudo da lei era feito nas grandes escolas e academias. Uma vez que elas serviam de inspiração para os dois grandes centros do judaísmo da época, Babilônia e Jerusalém. Quando se sentiu a exigência de passar para o papel as pesquisas feitas sobre o texto da Mishnah, surgiu quase que naturalmente uma dupla redação: o Talmud de Jerusalém e o Talmud babilônico. O Talmud palestinense é escrito em língua judaíco-aramaíco, com muitos termos emprestados do grego. O Talmud babilônico ao contrário é escrito em judaíco-aramaíco com grandes trechos em hebraico.
– O Siddur (Livro de Orações)
A Mishnah é insuficiente como fonte para ter acesso à liturgia hebraica. Por isso é necessário dirigir-se ao Livro de Orações da liturgia hebraica, onde se encontram os textos litúrgicos oficiais. O Siddur é o grande livro dos hebreus amantes da oração. Por isso ele deve ser considerado, juntamente com a Mishnah, uma fonte insubstituível para compreender as orações de Jesus e os poucos dados neo testamentários.
A IMPORTÂNCIA DA BERAKAH
Berakah – Traduzida como benção, louvor, agradecimento, admiração. É um dos termos que condensa toda riqueza e originalidade do pensamento hebraico. A Berakah define a tríplice aliança: com Deus, com o mundo e com os seus semelhantes.
Em relação ao homem e ao mundo, Deus é a fonte, é a norma: cria o homem e o mundo e estabelece sua modalidade de usufruto e de multiplicação.
Em relação a Deus e ao mundo o homem é o interprete e beneficiário: é objeto da atuação divina e destinatário dos bens da terra.
Em relação a Deus e ao homem, o mundo é sacramento e dom: sinal da benevolência divina e dom concreto para o homem.
Com a oração de benção, o israelita reconhece estes três polos e a qualidade de suas relações. Reconhece a Deus como origem e proprietário das coisas, o mundo como dom que deve ser aceito e partilhado, o homem com os irmãos com as quais participam do único banquete da vida.
Deste modo a Berakah capta a verdadeira finalidade do mundo e se põe como condição para a realização do reino. Tudo é razão para bendizer! Por isso, de acordo com a tradição judaica precisa-se recitar uma benção diante de qualquer coisa.
Entre todas as bênçãos que devem ser elevadas a Deus tem uma particular importância as que estão ligadas aos frutos da terra. Antes de alimentar-se com o pão da terra, o judeu reza: “Bendito sejas, Senhor nosso Deus Rei do universo, que produzes o pão da terra. ” Não existe algo que não seja ocasião de uma Berakah. Até as realidades negativas, como a injustiça, a doença, em vez de levar ao desespero são motivos para benção e louvor.
A Berakah é a expressão de uma nova luz. Ela é a maior das atividades porque tem o poder de fazer novas todas as coisas.
A Berakah e a Torá: O judeu, além de bendizer o Senhor pelos frutos da terra o faz também pela Torá.
Sede bendito, Senhor nosso, Rei do universo que nos deu a Torá da verdade e que plantou em nosso meio a vida eterna. ” Bendisse-se a Torá porque ela do mesmo modo que os frutos da terra, alimenta e alegra o coração do homem. A Torá revela a finalidade dos bens da terra mediadores e dom da benevolência divina. O judeu é chamado a bendizer o Senhor diante das situações dolorosas e trágicas, não porque tem prazer no sofrimento, mas porque tem a inabalável esperança messiânica
A Berakah e o Milagre: A Berakah é o reflexo desta luz secreta das coisas. Onde ela está presente cria-se o milagre, onde ela está ausente se estende a opacidade. Para quem pratica a Berakah tudo é maná, é milagre
A Berakah e o Temor: O temor é o reconhecimento de que as coisas não são somente aquilo que são mas implicam também, embora de longe algo de absoluto. O temor é a percepção da transcendência, do fato de que tudo em todo lugar faz referência aquele que está além das coisas.
A Berakah nasce do temor e produz o temor porque une as coisas ao amor de Deus colocando-as sob seu olhar criador e providente. Graças a Berakah o universo se torna um imenso santuário em que se deve penetrar e atravessar com veneração e em estado contemplativo.
A Berakah e o Dom: A benção restitui a criatura à sua situação de dom enquanto sua ausência rebaixa as coisas à sombria consistência de instrumento e de mercadoria.
Jesus, dom supremo do amor de Deus ao homem além de revelar a realidade com o dom resume-a em sua pessoa e no seu mistério.
A Berakah e a Alegria: A oração de Benção, além de expressar a percepção real com o dom que deve ser assim participado, traduz também sentimentos de alegria e bem-estar. Ser capaz de bendizer a Deus, antes de ser um gesto de agradecimento, demonstra um sentido de plenitude.
A Berakah é um sinal de um coração pacífico e cheio de sentido. A alegria que a Berakah traz é dupla: alegria de saber que é objeto da benevolência de Deus e a percepção do mundo cheio de unidade e harmonia.
A Berakah e a Petição: Além da Berakah, a liturgia judaica se estrutura envolta de um segundo pólo, que é a invocação ou petição. O judeu, a orar, não louva a Deus somente pelas suas maravilhas e por seus dons, mas também lhe suplica por suas necessidades. Louvar e invocar, admirar e pedir, agradecer e suplicar são dois pólos da prece hebraica, tanto da individual como da comunitária.
A prece de petição dá forças ao “pobre” no calvário. Conserva-lhe a fé em Deus e não os deixa sucumbir em face as decepções; dá-lhe certeza do triunfo final da bondade divina e não o deixa desesperar diante das derrotas.
Mas esta força que a oração de petição dá termina sempre com um louvor. Se um “pobre” invoca a ajuda de Deus é para poder “louva-lo e agradecer-lhe melhor”. A finalidade profunda de toda petição (seja cura individual ou a libertação de Jerusalém) é de poder cumprir a vocação de louvar e agradecer.
– A Fórmula da Berakah
A respeito das diversas formas de benção, tem-se uma classificação de três categorias, cada uma com uma estrutura própria: bênçãos motivadas por objetos (“bens” concretos), bênçãos motivadas pela alegria de observar a Torá e bênçãos sem motivações particulares.
1. Bênçãos motivadas por bens concretos: São as bênçãos mais simples que se inicia com a fórmula – “Sê bendito, Senhor nosso Deus, Rei do universo” e termina com a menção da coisa ou da experiência que a motivou. Ex.: No caso da benção antes das refeições: que tiras o pão da terra; ou antes de beber um copo de vinho: que nos dá alegria com o fruto da videira.
2. Bênçãos motivadas pela alegria da Torá: São as bênçãos que são citadas antes de cumpri um mandamento e que se iniciam com fórmulas como esta: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, que nos santificaste com os teus mandamentos. ” Ex.: acender as luzes do Sábado.
3. Bênçãos sem motivações específicas e que exprimem petição ou louvor: são as bênçãos mais comuns da liturgia pública ou particular e diferem das precedentes pelo conteúdo e pela forma. Quanto à forma, elas iniciam e terminam com a mesma expressão: Sê bendito, Senhor. Quanto ao conteúdo, trata-se de afirmações diversas, que se encontram entre as duas bênçãos de abertura e de encerramento.
– A estrutura da Liturgia Judaica possui três unidades:
O Shemá Israel
O Shemá contém a essência da fé judaica. Consiste de três capítulos tirados da Bíblia.
O primeiro capítulo: “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo teu caminho ao te deitares e ao te levantares.
Atá-los-ás à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos. Tu os escreverás nos umbrais e nas portas de tua casa. ” (Deut. 6,4-9). Nessa parte falasse do uso da Tefillim e do Mezuzá .
* Tefillim ( Filatérios ) : A Torá descreve-o como um sinal, uma afirmação pública de envolvimento judaico. Ao colocar Tefillim o indivíduo dá expressão aos seus sentimentos básicos de identificação judaica e a sua importância para ele. Os Tefillim são colocados no braço, frente ao coração e sobre a cabeça. Isto significa a união do emocional e do intelectual à serviço de Deus. Homens (maiores de 13 anos) devem colocar Tefillim todos os dias da semana, exceto Shabbat e Festas Judaicas.
* Mezuzá:
A santidade do lar judaico é simbolizada pela Mezuzá, pequeno rolo de pergaminho, que contém os dois primeiros parágrafos do “Shemá Israel”. Enrolado o pergaminho, é ele colocado num estojo de madeira, metal ou cristal, que tem uma pequena abertura, através da qual se distingue a palavra Shaddai (Todo Poderoso) escrita nas costas do rolo. Fixa-se a Mezuzá no lado direito dos portais de todas as habitações em que vivem judeus, conforme as palavras bíblicas: “E as escreverás nos portais de tua casa e nos teus portões”. A Mezuzá distingue a casa judaica, fazendo lembrar aos moradores e visitantes, logo na entrada, quem é o criador de tudo o que somos e possuímos. Ela recorda o mandamento de se observar a Torá tanto em casa como fora dela.
O segundo capítulo: “Se obedecerdes aos mandamentos que hoje vos prescrevo, se amardes o Senhor, servindo-o de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, derramarei sobre a vossa terra a chuva em seu tempo, a chuva do outono e da primavera, e recolherás o teu trigo, o teu vinho e o teu óleo; darei erva aos teus campos para os teus animais, e te alimentarás até ficares saciado. Tende cuidado para que o vosso coração não seja seduzido e vos desvieis do Senhor para servir deuses estranhos, rendendo-lhes culto e prostrando-vos diante deles.
A cólera do Senhor se inflamaria contra vós e ele fecharia os céus: a chuva cessaria de cair, e não haveria mais colheita no vosso solo, de modo que não tardaríeis a perecer nesta boa terra que o Senhor vos dá. Gravai, pois, profundamente em vosso coração e em vossa alma estas minhas palavras; prendei-as às vossas mãos como um sinal, e levai-as como uma faixa frontal entre os vossos olhos.
Ensinai-as aos vossos filhos, falando-lhes delas seja em vossa casa, seja em viagem, quando vos deitares ou levantardes. Escreve-as nas ombreiras e nas portas de tua casa, para que se multipliquem os teus dias e os dias de teus filhos na terra que o Senhor jurou dar a teus pais, e sejam tão numerosos como os dias dos céus sobre a terra. ” ( Deut. 11,13-21 ) Nesse trecho os Tefillim e Mezuzá são novamente mencionados como os símbolos da observância prática dos preceitos divinos.
O terceiro capítulo: “O Senhor disse a Moisés: ‘Dizei aos israelitas que façam para eles e seus descendentes borlas nas extremidades de suas vestes, pondo na borla do cada canto um cordão de púrpura violeta. Fareis essas borlas para que, vendo-as vos recordeis de todos os mandamentos do Senhor, e os pratiqueis, e não vos deixeis levar pelos apetites de vosso coração e de vossos olhos que vos arrastam à infidelidade. Desse modo, vós vos lembrareis de todos os meus mandamentos, e os praticareis, e sereis consagrados ao vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei do Egito para ser o vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus’ ” (Num. 15,37-41). Esse trecho faz referência ao Tallit .
* Tallit :
É uma peça de vestimenta em forma de escapulário distintamente judaica que é um constante lembrete de todas as leis da Torá. É composta de quatro fios duplos de lã, linho ou seda, as sisit, que pendem dos quatro cantos do manto de preces. Mas, como as roupas atuais são bem diferentes das de outrora, e como nós não mais vestimos mantos quadrados, amarramos as sisit ao chale branco que os homens vestem para as orações e a uma peça menor de fazenda, pequeno Tallit . O Tallit (como também o tefillim ) obedece a uma lógica teológico-pedagógica: como sinal e instrumento de santidade; mais do que simplesmente recordar o que o Senhor quer, faz viver em santidade à qual o Senhor chama.
O judeu religioso deve proclamar o Shemá duas vezes ao dia: “Quando te deitas e quando te levantas” e essa proclamação é acompanhada das bênçãos, respectivamente, da manhã (duas Berakah antes e uma depois) e da tarde (uma Berakah antes e duas depois).
A Tefillah
A tefillah é, depois do Shemá, o segundo momento central da prece hebraica. Compõe-se de uma série de bênçãos breves ou orações feitas três vezes ao dia: de manhã, ao meio-dia e à tarde, e é a “oração por excelência ” da liturgia hebraica. Intimamente ligada ao Shemá, de acordo com a tradição rabínica, ela é recitada logo depois da benção final do Shemá.
A tefillah é composta de 19 bênçãos (antigamente 18) subdividida em três grupos ou seções:
1. as três primeiras bênçãos
São uma introdução e se concentram no tema do louvor a Deus, glorificando-o por seus atributos principais: amor (hesed), força (gevurah) e santidade (qedushah).
2. as últimas três bênçãos
É definida como benção de agradecimento, apesar de conter uma súplica de restauração do templo de Jerusalém e do dom da paz.
3. as treze bênçãos intermediárias
São o coração da tefillah e constituem uma série de pedidos a Deus, a fim de que Ele conceda a seu povo tudo o que é necessário para a vida. São a “Carta Magna” do judaísmo, através da qual conhecemos o que ele tem como verdadeiramente importante, que pode se dividir em: bens espirituais – a inteligência, a penitência e o perdão; bens materiais – a liberdade pessoal a saúde, o bem-estar, a unificação dos dispersos; bens sociais – a justiça integral, o castigo dos inimigos, a recompensa dos justos, a Nova Jerusalém, o Messias e o atendimento das preces.
A qeri’at Torá (a “leitura da Torá”)
A Torá (Lei, ensinamento) é composta do Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio.
A Tanah é um livro utilizado pelos judeus que é composto pela Torá e os livros do Antigo Testamento. Os judeus não reconhecem os seguintes livros como inspirados: Judite, Tobias, Macabeus I e II, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc.
Além do Shemá Israel e da tefillah, outro núcleo da liturgia hebraica é a qeri’at Torá feita na sinagoga às segundas-feiras, nas terças e aos sábados, nos dias festivos e semifetivos. Entre os vários imperativos do Shemá há um particularmente importante: “Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo teu caminho ao te deitares e ao te levantares”. Se o mandamento bíblico quer inculcar o amor à Palavra de Deus em todas as gerações, a qeri’at Torá, feita na sinagoga em determinados dias e de acordo com modalidades particulares, responde a este mandamento: com ela, o povo de Israel nutre-se da Palavra de Deus, lendo-a e comentando-a.
Não se pode compreender o judaísmo sem a Torá, que é sua alma e substância, seu segredo e seu fascínio. A sua importância central na tradição hebraica é expressa mais pela linguagem figurada do que pela argumentação racional. Devido a sua importância, a Torá é lida e comentada na sinagoga três vezes por semana.
MOMENTOS PESSOAIS E COMUNITÁRIOS DA ORAÇÃO JUDAICA
São os seguintes os setores nos quais o judeu vive sua religiosidade: o pessoal, o familiar e o comunitário.
As orações individuais o judeu recita a sós no decorrer do dia. As orações familiares são feitas diariamente durante as refeições, semanalmente aos sábados e anualmente por ocasião da festa da Páscoa. As orações comunitárias são feitas nas sinagogas nos dias comuns, nas festividades e por ocasião de acontecimentos especiais. A oração é como a vida: de um lado é sempre idêntica, mas de outro, é sempre nova.
• Berakah Individuais
Ao acordar pela manhã: O ato de levantar-se – pelo qual se volta da noite à vida – deve ser acompanhado de uma série de bênçãos. O Talmud babilônico descreve minuciosamente as diversas fases que caracterizam a passagem do sono ao estado de vigília, e a elas os judeus recitam uma Berakah. Ex.: Ao ouvir o canto do galo se diz: “Bendito seja aquele que deu inteligência ao galo, para distinguir o dia da noite”. Ao abrir os olhos se diz: “Bendito aquele que dá ao cego a capacidade de ver”.
Quando de manhã acordamos e nos pomos em relação com o mundo, o importante não é saber como isto se dá, mas que, se isto acontece, é pelo amor de Deus que cria e recria. No voltar à vida consciente, é Deus que devolve “a alma ao corpo morto”.
Ao deitar-se à noite: A oração da noite compõe-se de duas unidades fundamentais: a reza do Shemá e uma benção específica. Se pela manhã Deus é invocado como “aquele que desfaz os laços do sono dos olhos” e a “sonolência das pálpebras”, aqui ele é como “quem faz cair os laços do sono sobre os olhos e os da sonolência sobre as pálpebras. ” Deus é o autor tanto da vigília quanto do sono.
Durante o dia: A benção caracteriza também outros momentos do dia, tanto os de trabalho quanto os de recreação. Não existe coisa ou ação que não possa ser transfigurada pela Berakah. Até para as necessidades fisiológicas, que consiste em bendizer a Deus por ter criado o homem com “orifícios e canais” que lhe garantem a saúde e o bem-estar o judeu reconhece um motivo para bendizer ao Criador. Uma oração destas poderia parecer-nos ridícula, mas o judeu não pensa assim. Ele vê no harmonioso funcionamento do corpo humano o reflexo do amor e da perfeição divina.
Durante o dia agradece-se a Deus não apenas “pelo bem”, mas também “pelo mal”, porque segundo a máxima do Talmud, “tudo aquilo que Deus faz, fá-lo visando o bem”.
Para casos específicos: Deus é louvado também em ocasiões especiais, tais como uma viagem, uma doença ou na proximidade da morte. O moribundo, que sente seu fim aproximar-se, deve fazer uma confissão de fé.
Também por ocasião da doença o judeu religioso bendiz a Deus. Do mesmo modo, pode-se recitar bênçãos por ocasião de um aniversário, de um empreendimento, de uma viagem, por ter escapado de um perigo etc.
• Liturgia Familiar
O primeiro lugar sagrado da liturgia hebraica é a casa, tida como “um santuário”. Para o judeu a casa era realmente um templo. A mesa da família era considerada um altar, as refeições como um rito sagrado e os pais como sacerdotes celebrantes.
No santuário familiar são três as principais celebrações: uma cotidiana, ligada à refeição; a segunda semanal, ligada ao Shabbat; a terceira, anual, ligada à festa de Pesach.
Estas “celebrações” se relacionam e se integram reciprocamente esclarecendo-se e enriquecendo-se mutuamente. São elas:
1. A Birkat ha-mazon
A refeição familiar representa para o judaísmo, o ato religioso por excelência. Por isso, mais do que qualquer outro ato do dia-a-dia ela é acompanhada por uma série de bênçãos específicas.
Para o judeu, comer é algo mais do que uma agradável satisfação física e nutritiva, tornando-se o pão para eles realmente como um dom de Deus. Além do simbolismo do dom, o ato de comer nos lembra também o ato de reconhecer Deus como origem dos frutos da terra, significa afirmar que eles são destinados a todos. Encarando as coisas como dom e Conde visão, a Berakah não anula o esforço do homem, o pão é resultado de duas intervenções: a divina e a humana.
A refeição é acompanhada de duas Berakah: uma brevíssima, que a precede: Birkat ha-mosi que se reza assim: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, rei do universo, que tiras o pão da terra”; a outra mais longa e sistematizada, que a encerra, que é a prece por excelência da refeição: Birkat ha-mason .
Ela é considerada como a mais antiga e mais importante de todas as bênçãos do ritual hebraico, uma vez que é a única benção expressamente prescrita pela Torá: “Comerás e ficarás saciado, e bendirás a Iahweh, teu Deus, na tenda que Ele te houver dado” (Deut 8,10). Ela se compõe de três bênçãos através das quais se agradece a Deus pelo alimento, pela terra e por Jerusalém.
A primeira que se inicia com as palavras “tu que nutres”, foi feita para Israel por Moisés, no período em que o maná caiu do céu: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, rei do universo, que em tua bondade nutres o mundo inteiro…”. Esta benção celebra Deus como “anfitrião” do universo, que alimenta por amor todas as criaturas.
A segunda foi composta por Josué, quando os judeus tomaram posse da terra. Ela agradece a Deus pelo belo e espaçoso país dado a Israel: “Rendemos-te graça, Senhor nosso Deus, por haver dado a nossos país um país delicioso, belo e grande …”
Salomão e Davi instituíram a terceira, invocando Deus e lhe agradecendo como reconstrutor de Sião: “Senhor, nosso Deus, tem piedade de Israel, teu povo, de Jerusalém, tua cidade, tabernáculo da tua glória”.
Enquanto a primeira benção agradece a Deus pelo alimento e a segunda pela terra, esta terceira é uma invocação a Deus para que se conserve sempre Sua misericórdia.
2. A Festa do Shabbat
É impossível compreender a espiritualidade hebraica sem penetrar nos meandros luminosos do Shabbat, que é sua fiel expressão e seu fruto eficaz.
O Shabbat é a celebração semanal da criação do mundo por Deus: “Em seis dias, Deus criou os céus e a terra e no sétimo dia descansou”.
Ao celebrar o Shabbat, reafirma-se o “contrato” entre os homens e Deus, assim o faz o povo judeu.
Está escrito: “Recorda-te o dia do Shabbat e santifica-o”. Isto está explicado no Talmud, significando que a cada dia da semana, deve-se se preparar para o próximo Shabbat. Preparar comidas especiais, limpar a roupa e a casa, são exemplos desta mitsvá. O Shabbat incrementa a crença na grandeza de Deus. Para ajudar o homem a afirmar sua crença no “cessar de mais um dia da criação” do Criador no sétimo dia, o homem se abstém de certos trabalhos no Shabbat. Ao não acender o fogo, por exemplo, o homem mostra sua unificação com Deus. Assim como Deus cessou a criação, assim faz o homem.
O Shabbat rompe a monotonia que governa nossas vidas durante a semana. Prevê um propósito e significado às vidas das pessoas, as quais se encontram frequentemente com pouca ideia de aonde vão e porque existem. Ele oferece às famílias uma oportunidade de se sentarem juntos e se comunicarem num ambiente de unidade familiar.
Começando com uma Berakah pronunciada pela mãe e terminando com outras três bênçãos chamadas de havdalah recitadas pelo pai, a celebração do sábado tem seu momento culminante na reza do qiddush feita sobre um copo de vinho antes da refeição familiar. O acender das velas, o qiddush e o havdalah são os três ritos principais que acompanham a família judia no dia de sábado.
O acender das velas
No calendário judaico, um dia de 24 horas começa ao anoitecer e considerando-se que é proibido acender fogo durante o sábado, as velas do Shabbat são acesas na sexta-feira à tarde, quando a parte baixa do horizonte está pálida, porém não a parte superior. Isso é feito pela mãe e seguida de uma benção. A luz que não se apaga mais é expressão material da beleza e do sentido oculto do dia-a-dia.
Para os judeus o menorah, espécie de candelabro, tem também um significado religioso. As sete velas indicam as sete presenças de Deus: Deus acima, Deus abaixo, Deus à frente, Deus à trás, Deus do lado esquerdo, Deus do lado direito e Deus dentro.
O qiddush
O qiddush é recitado pelo pai de família ao redor da mesa preparada festivamente sobre a qual a mãe acendera anteriormente as luzes. Ele consiste na benção e distribuição de um copo de vinho e na benção e divisão de um pedaço de pão, seguindo-se logo depois a verdadeira ceia, que é tomada entre cantos e alegrias.
A havdalah
Como o início do Shabbat – descanso, é caracterizado por alguns ritos, assim também é o seu fim. A cerimônia é chamada de havdalah (separação) porque marca a diferença entre o sábado, que está por terminar, e os dias comuns que vão se iniciar. Compõe-se de quatro breves bênçãos pronunciadas sobre um copo de vinho, sobre ervas perfumadas e sobre a luz. É feita sábado à noite.
3. Seder Pascal
Trata-se do mais sugestivo, do mais alegre e do mais inesquecível de todos os ritos familiares do judaísmo. Nele se celebra o acontecimento fundamental da história e espiritualidade do judaísmo: o fim da escravidão e o início da liberdade. Consiste na participação em uma refeição simbólica (antes da refeição real), no qual cada elemento lembra um aspecto da noite que Deus tirou o povo do Egito. As ervas amargas lembram os sofrimentos dos antigos pais; a pata do cordeiro assado, o sacrifício do cordeiro que obriga o anjo da morte a “passar a diante” nas portas dos judeus; o haroset, um doce feito de mel e nozes, a alegria e doçura da liberdade.
A refeição da noite de Páscoa, a mais solene e mais rica entre todas as refeições judaicas, acentua três momentos particulares:
1. A ceia real e propriamente dita realizada na abundância e na alegria.
2. Um longo momento simbólico–ritual, que aprende, se revive e se explica, sobretudo aos mais jovens, a significação perene da noite pascal.
3. Outros momentos simbólicos–rituais nos quais prevalece o agradecimento e o canto.
• A Liturgia das Sinagogas
Além das orações feitas em particular e no âmbito familiar, o judeu reza em comunidade, no âmbito da sinagoga.
Sinagoga (do grego syn – agoge = reunião, convocação ) é a tradução do hebraico bet há – keneset , que significa casa da assembleia. Diferente do Templo, a sinagoga é caracterizada pela comunidade, que constitui seu sentido, sua substância onde um grupo de pessoas se encontram com a intenção de rezar e de ouvir e estudar a Torá.
Principais características da sinagoga:
• A primeira diz respeito a sua laicidade. Nela os sacerdotes e levitas, os responsáveis pelo culto por direito de nascença estão no mesmo plano que todos os outros participantes e não gozam de nenhum privilégio particular. Qualquer pessoa pode animar a oração, entoar cantos ou ler a Torá.
• A segunda, é o sentimento de igualdade. Dentro da sinagoga não há hierarquia e todos gozam dos mesmos direitos e deveres.
• A terceira, refere-se ao número indispensável para formar a sinagoga como tal. Dez adultos do sexo masculino que com a confirmação tornam-se, com todos os direitos, membros da comunidade.
Na sinagoga o culto é celebrado diariamente e em ocasiões especiais:
1. Nos dias úteis
Na sinagoga o culto é celebrado de manhã (shahrit ), ao meio dia ( minhah ) e à tarde ( ma’ariv ) além da reza do Shemá, da tefillah e da queri’at Torá.
I. Liturgia da Manhã
1. Bênçãos e Salmos preliminares
2. Qaddish
3. Shemá
4. Tefillah
5. Qaddish
6. ‘Alenu
7. Qaddish da pessoa em luto
8. Orações finais
II. Minhah (Liturgia do Meio-Dia)
1. Salmo
2. Qaddish
3. Tefillah
4. ‘Alenu
5. Qaddish
III. Ma’ariv (Liturgia da Tarde)
1. Breves leituras de salmos
2. Shemá
3. Tefillah
4. Qaddish
5. ‘Alenu
6. Qaddish da pessoa de luto
Entre estas orações o qaddish e a ‘alenu tem uma importância especial. O qaddish proclama a santidade de Deus magnificando sua grandeza e invocado, sobre o mundo, a plenitude de sua consolação e paz. A oração do ‘alenu proclama Deus como supremo rei do universo e como Deus de toda humanidade reunificada.
2. Durante o Shabbat
Os judeus freqüentam a sinagoga nos dias úteis, mas principalmente aos sábados. Para o Shabbat a liturgia é enriquecida de elementos simbólicos e textos especiais: a qabbalat Shabbat ( a acolhida do Sábado ), o nishmat kol hay ( “a alma de tudo que viu”) e a leitura da Torá.
A qabbalat Shabbat é um conjunto de salmos e de poemas que se recita à tarde da sexta-feira na sinagoga, como início da festa do sábado
O hino nishmat kol hay é proclamado na oração da manhã.
E quanto a leitura da Torá, o Sábado é dedicado de modo particular à leitura da mesma. Ela é lida em rolos de pergaminho escritos à mão e envolvido numa mantilha.
3. Por ocasião de acontecimentos particulares
Nascer, tornar-se adulto, casar-se e morrer são também para Israel, como todas as religiões, momentos importantes marcados pela oração comunitária feita na sinagoga.
A cerimônia litúrgica referente ao nascimento de um menino é chamada berit–mila (“aliança da circuncisão”), e por ela o recém-nascido torna-se filho de Abrãao. O rito é atribuído diretamente a Deus e acontece no oitavo dia de vida. Logo depois o menino, na sinagoga é circuncidado. A circuncisão é acompanhada de berakah.
No rito do matrimônio, a fórmula do qiddush é a usual, pronunciada sobre um copo de vinho. O esposo e a esposa bebem dele juntamente, como sinal de um destino comum e alegrias e esforços. Depois do qiddush o esposo põe a aliança no dedo da esposa pronunciando estas palavras: “Eis com este anel tu estás consagrada a mim, de acordo com a lei de Moisés e de Israel.”. Depois vem a assinatura de um documento e em seguida rezam-se as sete berakah, um hino de louvor a Deus pelas suas maravilhas, sendo que a maior delas é a “invenção do casal”, a criação do homem e da mulher, um para o outro. O rito termina com a quebra de um copo de vinho, a finalidade é lembrar aos esposos que ninguém (nem eles próprios) pode ter uma felicidade definitiva e completa.
Quanto aos funerais, diante da morte o judeu reafirma sua submissão à vontade divina. Ele não reconhece nela um ato de injustiça, mas um ato de amor e de sentido da parte de Deus.
Quando uma pessoa morre, sua morte é anunciada com uma benção, seguida de uma série de orações.
Normalmente o corpo não é levado à sinagoga, mas diretamente ao cemitério onde a liturgia é rezada.
Quando finalmente o túmulo vai ser fechado recita-se um qaddish, que é um hino de louvor à soberania de Deus e uma confissão explícita da futura ressurreição dos mortos: “Que seu nome seja engrandecido e santificado no mundo que Ele está por criar de novo, no qual Ele acordará os mortos e os fará ressurgir para a vida eterna…”
A CELEBRAÇÃO DAS FESTAS
Os israelitas fazem coincidir algumas de suas festas com o ciclo do tempo.
Para eles a festa tem o sentido de afirmar a bondade do mundo, razão porque o homem pode usufruir dele, e porque Deus lhe dá o fundamento. O mundo é bom e é fruto da manutenção do sagrado e sobre o sagrado.
As festas se classificam em três tipos:
• Festas da peregrinação: Pesach, Shavu’ot e Sukkot
Celebram e atualizam o maior evento salvífico de Israel: o êxodo, a aliança e a entrada na Terra Prometida.
A Festa de Pesach
É a maior festa judaica, não somente do judaísmo pós-bíblico, mas do próprio A.T. Originalmente uma festa agrícola, ela se tornou em Israel a comemoração por excelência da libertação do Egito.
Entre a nova páscoa hebraica que celebra a libertação e as páscoas agrícolas, que celebram a fecundidade dos rebanhos e dos campos maduros não há justaposição nem contraposição, mas nova compreensão e reinterpretação.
Se a celebração do Seder Pesach na liturgia familiar é rica, cheia de fantasia e de sugestões, na sinagoga ela é essencial e concisa.
A benção feita para ela tem um sentido teológico: “Sê bendito, Senhor nosso Deus, rei do universo, que nos escolhestes entre todos os povos, nos distinguistes entre todas as línguas, nos santificastes com os teus mandamentos e que, no teu amor nos destes as festas para nossa alegria: este dia de festa dos ázimos, dia de liberdade e dia de felicidade consagrado a uma santa assembleia e à lembrança da saída do Egito. Tu és quem nos escolheu, nos santificou acima das outras nações e nos deste como herança, alegria e júbilo. ”
Shavu’ot: A Festa das Primícias
Contareis cinquenta dias até o dia seguinte ao Sábado e oferecereis então a Javé uma nova oblação” (Lev 23,15-16)
Shavu’ot quer dizer semanas. É a festa que se celebra depois de sete semanas a partir do dia da Pesach.
Pentecostes – A festa das primícias torna-se um aprofundamento, festa da Torá
A festa lembra as primícias e a revelação no Sinai, a fecundidade da terra e a obediência do homem. Deus os fez sair do Egito para dar-lhes o dom da Torá.
Adorna-se as sinagogas com ramos verdes.
A Festa de Sukkot: A Alegria da Colheita
Traduzido como Tendas ou Tabernáculos. É a festa por excelência das festas da peregrinação. É uma grande alegria popular que se estende por sete dias. Celebra-se também a alegria pelo dom da Torá.
Nesta festa as moças de Jerusalém saiam dançando com vestes brancas e cantando “Jovem levanta a vista e vê aquele que queres escolher” e no tempo do Novo Testamento os homens religiosos e importantes da cidade dançavam no átrio do templo, cantando e segurando nas mãos tochas acesas.
É a última festa da colheita e se destaca por ser a última e ter-se mais necessidade de acentuar a grandeza de Deus e a dependência do homem dos frutos da terra.
• Festas austeras: rosh há – shanah e yom kippur
Celebram o evento do mau uso da liberdade humana, lembram a infidelidade do homem à fidelidade de Deus, e são dias de grande arrependimento e de profunda conversão.
Rosh há – shanah
É um dos “anos-novos” dos judeus, o religiosamente mais determinante.
Primeiramente lembra ao povo a criação do mundo. Todo ano novo, como na primeira manhã da criação, Deus faz o mundo de novo e o confia ao homem, para que colaborando possa aproveitar-se dele e dele desfrutar.
Além da criação, rosh há – shanah, é também o início dos eventos salifico. É nele que Deus se recorda de Sara, que Isaac é gerado e que Ana dá a luz a Samuel etc. … Ele é, portanto, a afirmação de que a raiz do tempo não se encontra no tempo, mas no ágape de Deus que o quer e cria. É um sinal que Deus se “recorda” do homem. Finalmente, ele é também uma lembrança do dia do juízo.
Festa do Yom Kippur
Celebrado como o dia da expiação. O dia do Grande Perdão.
É o dia culminante dos dez dias de penitência, iniciados com rosh há – shanah, dia do juízo divino.
Esta eliminação / purificação não é obra do homem, mas dom de Deus, que renova a sua promessa de criação e de aliança, sem considerar as infidelidades do homem.
Promove a consciência e confissão dos próprios pecados. Consciência também da quebra da aliança e motivação do desejo de vive-la. Mostra que pode se cancelar o mal através da obediência da fidelidade. O perdão do qual falamos aqui, não é uma fórmula mágica que tira a responsabilidade, mas um dom exigente, que desperta a consciência para suas opções.
O perdão de Deus está ligado ao perdão do irmão; yom kippur reconcilia com Deus, se em rosh há-shanah e nos outros dias penitenciais nós nos reconciliamos em primeiro lugar, com os irmãos. A relação entre perdão de Deus e o perdão do irmão não é causativa, mas reveladora; “se tu perdoaste o teu irmão, quer dizer que tu já estás dentro do perdão de Deus”.
Se com a criação Deus entregou ao homem o Éden “para que o cultivasse e o guardasse”, com o perdão, ele o cria novamente para o homem e lho presenteia de novo, mesmo depois de ele o ter desfigurado e roubado. A consciência desta realidade fez do yom kippur a festa mais universalmente observada do judaísmo.
• Festas menores: Hanukkah e Purim
São assim porque não tem a sua origem num mandamento da Torá e se referem a acontecimentos da história dos judeus.
Hanukkah
Refere-se à reconquista do templo na guerra contra a Síria ( 165 d.C. ).
É uma festa sóbria e séria.
Purim
Refere-se à libertação da escravidão persa, graças à coragem e à oração de Ester.
É uma festa mais alegre e popular.
Ambas as festas celebram um acontecimento de libertação, semelhante ao da Pesach, que lhes serve de fundamento e modelo. Elas, de um lado lembram todas as tentativas históricas de aniquilar o povo hebraico (dos persas aos romanos até ao nazismo), testemunham ao mesmo tempo a força dos filhos de Israel, que sustentados por Deus, conseguiram sobreviver e triunfar.
Com essas festas, eles revivem a lembrança que Deus é mais forte que seus inimigos e que é sempre possível libertá-los de sua escravidão.
Além dessas enumeram-se outras várias festas judaicas.
LITURGIA JUDAICA X LITURGIA CRISTÃ
Vive-se hoje, ainda, uma certa ignorância em relação ao povo judeu, ao povo do Antigo Testamento. Há muitos que creem que o judaísmo desapareceu com a queda de Jerusalém no ano 70 D.C. , mas sobretudo existe o desconhecimento quanto à liturgia, da qual a cristã herdou muitos elementos e modelos.
Num primeiro nível de ignorância, os textos judaicos são inconscientemente considerados farisaicos” (com tudo o que de negativo é atribuído a este termo), incapazes de expressar e condensar a beleza do diálogo com Deus, esquecendo-se que Jesus rezou através destes textos, e que os mesmos fizeram a Virgem Maria, os apóstolos, e a Igreja primitiva por muitos decênios.
Isso transferiu-se também para a liturgia judaica, acarretando para com ela sentimento de estranheza e de distanciamento e como consequência uma ruptura da liturgia cristã com suas raízes naturais.
Mas como seria possível a Eclésia sem a sinagoga, a liturgia da Palavra sem a Torá, a prece eucarística sem a Berakah, a ceia sem a birkat há-mazon, a Páscoa sem Pesach, Pentecostes sem Shavu’ot, o domingo sem o Shabbat, o ofício divino sem o tehillim, a conversão sem o Yom Kippur etc.
Afirmando estes laços, não queremos negar a originalidade da liturgia cristã, reduzindo-a a um produto e prolongamento da judaica, mas delimitar o seu verdadeiro lugar de nascimento e de confronto. A novidade da liturgia cristã consiste na interpretação cristo lógica dos dados hebraicos, não no seu cancelamento, mas na sua diferenciação. Esta reflexão é importante, principalmente para compreender o sentido das festas cristãs. Geralmente, costuma-se dizer que, como o judaísmo fez das festas agrícolas, festas históricas, assim a Igreja as cristianizou, celebrando no Natal, Páscoa e Pentecostes a memória do nascimento, morte e ressurreição, e presença de Jesus no dom do Espírito Santo. A afirmação é verdadeira, contanto que ela seja entendida não como esvaziamento dos significados da festa judaica, mas como sua reafirmação e realização.
Como as festas judaicas não aboliu a densidade material e terrestre das festas agrícolas, assim, as festas cristãs não anula, mas reassume e radicaliza o sentido das festas hebraicas.
Um segundo nível de ignorância é pensar na liturgia como documento histórico de um povo extinto, não como oração de uma comunidade ainda viva e cheia de fé. É necessário, tomar-se a consciência de que a liturgia hebraica não é um fato do passado, e que nela se presta culto ao mesmo Deus dos cristãos.
Pode-se correr o risco de achar que atualmente o rito hebraico tenha desaparecido, não levando em conta o fato de que ele é hoje uma experiência espiritual para milhões de judeus religiosos contemporâneos. Ao contrário, lembrar-se de que esta fé continua a ser vivida ainda hoje, pode ajudar a Igreja a não se esquecer de que recebeu a revelação do A.T. por intermédio daquele povo, com o qual, Deus, em sua inefável misericórdia, se dignou fazer a antiga Aliança, e que, como escreve o apóstolo Paulo, “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11,29). Conhecer a liturgia judaica não é só aumentar a própria bagagem histórica e cultural, mas sobretudo penetrar na alma em oração do povo judeu, que através dos séculos eleva sua voz e louvor e de invocação a um Deus que é o mesmo Deus de Jesus e dos cristãos, o único Deus de todos os homens e de todas as religiões.
É com certeza nesse nível que as liturgias judaicas e cristãs encontram, como “irmãs”, os seus maiores pontos de contato e consonância: isto porque tanto uma como outra anunciam o Reino de Deus, proclamam e santificam o Seu nome, louvam-no, agradecem e invocam seu advento. A santificação do Nome, a qedushat hashem, é o coração tanto da liturgia hebraica como cristã, o verdadeiro ponto de encontro e de confronte dos dois povos da aliança.
Uma das metas para o qual se inclina o viver hebraico é sentir os atos mais banais como aventuras espirituais, e perceber o amor e a sabedoria que se escondem em todas as coisas.
Se é verdade, como vem sendo denunciado por vários lados e com insistência, que o mundo jamais esteja como nos dias de hoje tão ameaçado pela banalidade e pela falta de sentido, a liturgia cristã e a liturgia hebraica centralizada na berakah, são a resposta adequada a esta situação de emergência, ajudando a descobrir o “amor e o sabor que se encontra em todas as coisas”.
Judeus e cristãos são chamados a colaborar pela afirmação deste “amor” e desta “sabedoria” condensados nos nossos textos litúrgicos que, embora diferentes se atraem e se influenciam, como notas de um único canto: o canto do amor de Deus, fundamento e garantia do amor pelo homem.
BIBLIOGRAFIA
– Israel em Oração – Carmine Di Sante