Solidão
A solidão é a vida em terceira dimensão, quando sozinhos os três momentos da nossa existência se apresentam de forma clara, como cobradores de impostos, onde, sem recursos cabíveis, nos dobramos à inflexível coletoria.
-O passado é preconceituoso, exclui todas nossas eventuais boas ações, e nos retornam com nossos equívocos. Nos fazemos então de apagadores, restauradores de obra borrada, editores de obra já publicada; olhando agora, da solidão, observamos o quanto deixamos de cumprir, e como deveríamos ter nos conduzido, com clareza, assistimos como o certo é fácil, não é possível que tenhamos errado dessa forma, quero esquecer, remonto os pensamentos, e coloco em pauta algo que não me seja punitivo.
-É a vez do presente, como somos indulgentes com os nossos desvios, mas como somos criativos, buscamos, e encontramos justificativas para todo e qualquer deslize; nada fazemos que não esteja escorado em bases projetadas, arquitetamos, engendramos defesas para nossas condutas, o presente nos mostra todo nosso potencial de artífices, de advogados, e de paladinos, defensores de erros, que tão ardilosamente sabemos camuflar. No presente somos juízes austeros que, implacavelmente, julgam os demais, e tão condescendentes ao mensurar nossas trilhas, com tudo que articulamos, conseguimos equacionar, perfeitamente, nossas transgressões ao foro que burlamos.
-O futuro é onírico, é nebuloso, não tangível, mas perfeitamente delineado em nossas esperanças, quando estamos sozinhos voamos em tapetes mágicos, somos solidários com os fracos, filantropos em regiões áridas, benevolentes com a fortuna que ganhamos, em jogo de “sorte”, distribuímos a felicidade, tudo isso estando refestelado em poltrona estofada com a sina que para nós traçamos.
Solidão é isso, a remontagem do Dia da Criação, onde encobrimos o passado, justificamos o nosso dia de hoje e sonhamos com um futuro, do qual duvidamos ser merecedores; duvidamos, mas não revelamos a ninguém, nem mesmo à sorte, que esperamos que se deixe convencer.