A imagem que fala
Um dia, há muito tempo, dei com uma fotografia amarelada pelo tempo. Lá estava ela. Gostava das frutas da estação: abacaxis e figos. Eu me disse então, com espanto que jamais pude superar, descansou. Para onde teria ido? Essa questão se fazia insistente em relação à sua natureza. Paciente com antecedentes familiares de cardiopatia (vários familiares) apresentava dor precordial.
Quem podia guiar-me dessa confusa perda?
Em primeiro lugar, encontrei o seguinte. O infinito sob a paisagem da vidraça. A nostalgia agrupa uma classe de objetos que escrevem no vazio. Agora nada mais que o traço. Persiste outra voz, a mais forte. Não há mais. Declaração de singularidade da roupa abandonada no guarda-roupa, dos sapatos no canto do quarto, guardam a fisionomia dos antigos passos. Eu chegava a essa idéia da presença, dos fracassos, decepções, dívidas e figuras de ornamento; para passar o dia. Ludibriar esse tempo não havido. Ora, a partir do momento em que recrio este ser olhado, tudo muda. Sou eu o rio das almas. Decido mergulhar no álbum pela imagem que não pesa. Guiado pela imaginação astuciosa da corrente fantástica. A porta se abre e lá está. Intacta e plena. Em estado mítico de alucinose.
“Pode sentar”.
Tranqüila.
“Quanto tempo se passou?” Responde com voz calma.
“Muitos anos”.
Continua.
“Há um campo cerrado”. Quer falar, porém desaparece no hiato da ternura revivida.
Depois folheava uma revista e compreendia o que havia se passado. E eis que começava a nascer a reluzente e dilacerante verdade. O quase atroz: “Está em mim em sonho”. Sei que é a luminosidade que conduz ao perdão no apartamento fechado. E a luminosidade que conduz ao perdão no apartamento me sorri.