Assim ou ...nem tanto. 130
Registava o cronista o dia do Rei. Fazia História - dizia-se - e todos admiravam o homem que andava sempre mal disposto a azedar os atos de Sua Majestade. Fizesse por bem ou por mal, o relato era sempre tendencioso, desonesto, parcial. Escrevia-o em segredo, guardava-o nos escaninhos secretos da Biblioteca e mostrava na Corte apenas o que aquela gente vazia queria ler, escutar ou saber. Tudo lindo, sem mácula, na verdade histórica do Reino que lhe cabia escrever. A tença que recebia obrigava-o a ser generoso. Estava proibido de ver a leviandade real, desconhecia-lhe as amantes, atropelava o sentido das leis iníquas e, escrevia uma narrativa que estava, muitas vezes, nos antípodas do que, de maneira mais ou menos morna, marcava os dias por ali. Quando quis arrepiar caminho e colocar mais verdade nos relatos, constatou que todos os registos eram falsos. Vira-os de muito perto e doeram-lhe, vira-os de tão longe que não lhes atribuíra importância. E nas mãos lhe morria assim a História como realidade vindoura e lhe nascia o pouco que sobrara da isenção. Que ninguém cuide ver nos Anais de qualquer País mais que uma sequência mentirosa politicamente correta. A verdade é condicionada pelo olhar de quem a dá e vemos muitas vezes, com mau fígado, azia, boca amarga. Dom José I, escreveu-se, passava os dias aborrecido. Treinava com bolinhas de papel amarrotado a pontaria ao rosto dos retratos ilustres. Escreveu-se também, que assinava de cruz o que o Marquês de Pombal queria. Amantes tinha sem ter e nos dias em que se arrastou a História escreveu-se com sal bastante. Ficou, assim, apaladada.