QUASE QUE O MUNDO PERDE UM ENGENHEIRO
QUASE QUE O MUNDO PERDE UM ENGENHEIRO
A construção de Usinas Hidroelétricas é uma atividade bastante complexa, pois envolve praticamente todos os setores da Engenharia Civil, boa parte de Engenharia Elétrica e Mecânica e um rigor técnico muito grande. A implantação do canteiro de obras requer estudos de logística para que, além de acomodar a administração, o planejamento e a engenharia, possa suprir a obra e permaneça no mesmo local durante toda a construção. Como são implantadas em grandes áreas, pelo menos espaço não falta. A localização dessas instalações provisórias deve ser bem escolhida, levando-se em conta acesso fácil, locais para grandes galpões de almoxarifados, áreas para armazenamento de grandes volumes, oficinas, centrais de concreto, pedreira e britagem, jazidas de solo, dragas de areia, fábrica de pré-moldados, fábrica de insertes, pilhas de estoque de materiais (“stock piles”), vilas de moradias dos trabalhadores, edificações de lazer e atividades sócio religiosas e outras. É um tipo de obra que tem que ser autônoma, gerar seus próprios insumos básicos, seu abastecimento de água e energia elétrica. Além de proporcionar aos que nela trabalham atividades extras trabalho com um mínimo de lazer e bom convívio social.
Eu era gerente de contrato das obras de construção da UHE Salto Apiacás. O Rio Apiacás é um afluente do Rio Teles Pires, que também é chamado de São Manoel e forma com o Juruena um dos maiores afluentes da margem direita do Rio Amazonas: o rio Tapajós. O Salto do Apiacás situa-se abaixo do triângulo formado pelos rios Juruena e Teles Pires na parte norte do Estado de Mato Grosso.
As barragens, como chamamos as obras hidrelétricas, são normalmente construídas em solos rochosos, os mais íntegros possível. As estruturas são encravadas na rocha. Para implantá-las, torna-se necessário escavar de modo que os contornos das escavações sejam compatíveis com as estruturas a serem construídas. Para o desmonte de rocha utilizam-se explosivos que, por sua vez, são dimensionados de modo que a detonação escave somente o necessário. Para isso existem diversos tipos de procedimentos. Mas as rochas são elementos naturais e nem sempre se comportam conforme esperamos. Lá estava eu tentando escavar uma rocha chamada metarenito muito fragmentado e muito difícil de executar escavações controladas. Havíamos feito inúmeras tentativas sem obter os resultados necessários. Eu acompanhava pessoalmente os trabalhos de escavação a fogo e estávamos escavando onde seria implantados os vertedouros da barragem.
Exatamente no dia que íamos executar uma detonação muito importante fui chamado a Alta Floresta para resolver problemas administrativos e antes de sair orientei o engenheiro chefe da produção, mau amigo Celso Marchesi, que preparasse todo o fogo e aguardasse a minha chegada. Lá pelas quatro horas da tarde retornei fui direto ao local da obra. Tudo pronto solicitei ao Celso que mandasse detonar. Entramos s na camionete, uma D-20 novinha, e fomos observar a detonação a uns 300 metros do local. Estacionei na pista de uma ensecadeira, descemos do carro e ficamos olhando o local onde haveria a explosão. Todos os procedimentos de segurança foram tomados, evacuamos a área, o cabo de fogo (encarregado responsável pelos serviços) rodou toda a obra, tocou a sirene e foi detonar o fogo. Uns cinco minutos depois aconteceu a explosão. Eu e Celso apoiados na carroceria da D-20 ficamos olhando as rochas subirem para todo lado. É fundamental observar atentamente a detonação e acompanhar a trajetória dos fragmentos. Lembro-me de ver um fragmento subir mais que os outros, executar uma grande parábola em nossa direção. Acompanhei o movimento da rocha e, de repente, vi que ela estava caindo exatamente na vertical de onde estávamos. Era uma pedra grande a estava caindo encima de nós. Joguei-me embaixo da camionete, o Celso apoiou-se na janela da camionete e colocou a cabeça para dentro da cabine. Em fração de segundo houve a choque da pedra no canto traseiro esquerdo da carroceria. A camionete, com o golpe, me comprimiu contra o solo, deu um salto e sofri uma nova compressão. Quando tudo parou, sai de baixo do veículo me sentindo esmagado. O Celso havia batido a cabeça, mas nada grave. Começamos a rir muito, em uma espécie de estado de choque. À noite, eu estava com metade das costas com uma enorme mancha negra causada pelo sangue pisado da batida da camionete. Mas estava vivo.
Paulo Miorim
05/02/2018