MY SWEET LORD
Onde estava voce em 1970?
Pergunta-me ,em alta madrugada, o alegre apresentador de um destes programas de músicas do passado.Não satisfeito,vai mais além:
-O que você fazia em 1970 ? Quais eram teus sonhos ?E por aí vai...
Tal era a ênfase das perguntas que entre um gole e outro do suco que bebia,entusiasmado,retrocedi ao ano que me fora indagado.
Busquei-me , e com muita facilidade acabei reencontrando-me.
Enfiado numa calça “ Lee” , desbotada,um corpo senão muito esbelto ao menos com circunferências bem inferiores às que hoje me circundam.
Uma cascata encaracolada no melhor estilo Wanderlei Cardoso,em castanho escuro , besuntada de “Trim” o que lhe conferia aspecto brilhante,ainda que um tanto discreto.
Ávido de sonhos desfrutava o auge de meus 18 anos.Pensamentos divididos entre os rumos a se tomar após a conclusão do segundo grau e os muitos agitos,amigos e coisas do coração que começavam a dar o ar de seus primeiros rumores.
O suco gelado,a madrugada morna e enluarada invadindo minha janela,o alegre apresentador na insistência de vasculhar a privacidade dos meus anos 70...
Devaneios...Devaneios...
A busca prossegue.Num instante vejo-me diante dos espelhos da Loja Imperador. Ao meu redor alguns amigos (a minha turma).Estamos indo em direção ao cinema local.Na Imperador era o ponto de parada nas noites de domingo para um “ajeitar-se” no visual.
Golas pontiagudas sobressaindo-se sobre paletós xadrês,calças boca de sino, sapatos com saltos e plataformas .(Um horror!)
Cinturões com fivelas nada discretas e ares inundados à cheiros que variavam de “Canoe, à Rastro e Lancaster”.
Sentindo-se galãs (se achando!) a proxima parada seria no cinema.”Emoções” (E foram tantas!) nos esperavam
.Quanta coisa linda assistimos naquela tela que não mais existe.Quantas coisas inesquecíveis rolaram no escurinho do cinema,"com ou sem drops de anis",como diz a canção de Rita Lee.
Quantas alegrias ficaram arquivadas pelas esquinas pacatas de minha cidade.Quantas vezes ,caladas,as estrelas do cinema nos viram sair de mãos dadas aos primeiros amores sob olhares solidários de estrelas em céus tão puros quanto nossos sentimentos.
Quantas canções embalaram noitadas inesquecíveis.
O que eu fazia em 1970?
Administrava uma cabeça plena de expectativas.Tudo parecia tão facilmente atingível (o tempo ensinou-me quão longínquos , complicados e difíceis são os alvos ,ainda que ...possíveis em muitas ocasiões).
Em 1970,eu queria mais é ser feliz.
E...fui !
Hoje,diante da insistência radiofônica do locutor,este quase combalido sexagenário que não entrega-se à pouca benevolência do tempo,bebe um suquinho gelado com a emoção renovada daquele que ficou na “estação 70” e que entre tantas coisas tudo o que mais desejava era dedilhar (velho isso,não?) uma guitarra feito Mr. Harrisson da canção que agora ouço.
Canta George Harrisson !
Inunda de beleza a quietude desta madrugada ,que os anos 70 são eternos,que as mais lindas emoções são perenes e haverá sempre um tempo de recordar e...Ser muito,muito feliz. Tudo graças à “My sweet Lord”.
Joel Gomes Teixeira