O DESPEJO :
Eu a encontrei deitada e tranquila naquele aposento, como se estivesse em sua própria casa. Não me assustei, mas na verdade me senti surpreso de encontra-la ali. Ela não morava lá e nem teria permissão dos proprietários para pernoitar naquele quartinho. Ela , no entanto, não apenas pernoitou, como tomou posse do aposento e estava muito à vontade, se esbaldando mesmo.
Eram dez e trinta horas de uma manhã de Março, fazia calor e ela continuava deitada, aconchegada. Não se assustou com a minha chegada e nem se importou com a minha presença. Eu a cumprimentei com estardalhaço, exatamente para constrange-la, mas quem ficou meio sem graça fui eu. Ela continuou ali, deitada e me ignorou, completamente.
O dono da área me havia contratado para capinar o quintal e fazer uma faxina geral no barracão dos fundos e foi mesmo ali que eu a encontrei.
Não querendo ser frio ou agressivo, tentei puxar assunto, fiz alguns comentários, mas ela nem se deu ao trabalho de olhar para mim. Se enroscou ainda mais em sua cama improvisada e ferrou novamente no sono. Me lembrava uma madame em seu sono de beleza. Parecia até uma fêmea da realeza. Mais um pouco e eu me sentiria um intruso naquele santuário.
Percebendo que ela não me daria a graça de sua atenção, me concentrei em observa-la e notei, pelo grande e redondo volume de sua barriga, que ela estava para se tornar mãe, em no máximo três dias. Calculei. Comecei a me preocupar, imaginando como seria constrangedor, mesmo cruel, expulsar aquela criatura daquele domínio. Sempre fui emotivo e por um momento tomei sobre mim as dores dela. Sei que é horrível ser enxotado. Daí, me lembrei que não estava em minha casa e que o problema não deveria me afligir. Sosseguei-me. O dono da casa encontrava-se viajando, mas sua esposa chegaria as onze e trinta para o almoço.
_ Deixarei isso de lado e que ela resolva o problema com sua invasora do quartinho. _ Pensei. Concentrei-me no meu trabalho e ignorei a grávida dorminhoca em sua cama fofa.
Na mesa de almoço contei tudo para a dona da casa, que nem quis ver a figura folgada e me deu autoridade para agir como eu achasse melhor. A ideia não me pareceu muito boa não, mas eu nunca fujo de uma responsabilidade. Ao retomar minhas obrigações, depois do almoço, entrei no barracão, sem fazer cerimônia e falei com a grávida;
_ Os donos da casa não querem você por perto, e me pediram para te despejar. Eu disse olhando nos olhos dela.
Ela fingiu não me ouvir e eu continuei falando, tentando lhe mostrar como seria constrangedor e desastroso ela continuar ali. Notei que ela me fitava e vi ansiedade em seus olhos. Daí me ocorreu uma ideia. Não perdi tempo e apliquei o plano.
Dois minutos depois eu lhe prometi transporte para um lugar que eu sabia ela seria aceita sem nenhum problema. Deixei ela voltar ao sono das grávidas e fui terminar o meu serviço.
Bem no fim do expediente preparei espaço confortável no meu carro e a coloquei no banco do carona. Ela se sentiu bem instalada e eu dei a partida. A viagem não foi longa, mas ela não se dirigiu a mim. Calada ficou até fim da viagem.
Num próximo município eu parei no acostamento da estrada, onde a paisagem era agradável e a água abundante. O calor continuava, mas a sombra estava uma delícia. Desci do carro, abri a porta do carona e anunciei para a minha passageira o fim da sua viagem. O silencio ainda foi a resposta que recebi dela.
Tomei-a delicadamente em meus braços, entrei um pouco na matinha e a coloquei no chão, bem suavemente. Ela me olhou atentamente, mas ainda muda. Desejei-lhe sorte e fui embora, sem olhar para trás. Não sou muito dado a despedidas.
Acho que fiz a coisa certa, pois mesmo aos meus sessenta anos de idade, não consigo judiar, menos ainda matar, animais indefesos. Por isso, com muito prazer, eu poupei a vida daquela gambá.
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