Assim ou ... nem tanto. 129
Rompimento
Quando as pernas responderam e pude correr para te implorar que ficasses, eras um ponto minúsculo no fundo da estrada. Regressei à casa que foi nossa até há pouco. Escrevi o teu nome no pó do muro, forcei a cancela e entrei. Vim sem alma e estou, na penumbra, a ver se entendo a solidão. Escuto os teus passos, sinto ainda o cheiro do teu corpo na minha pele e posso reviver as lágrimas, os protestos, o som raspado dos insultos. Como podem duas pessoas que se amam deixar que o peso das diferenças as esmague? Como pude não perceber que, sem levar nada, levavas o mundo inteiro? Olho as tuas roupas, a fila dos sapatos, os livros, os quadros. Tudo me aponta como réu e tudo, à vez, sangra em mim que sou chaga viva, dor ambulante bem maior que o orgulho que me travou. Deixei que saísses, empurrei a porta e senti que no estrondo acabava a vida sem, contudo, perceber até que ponto acabava. De repente, nada faz sentido. A mesa, a cama, o meu corpo vazio que, fique onde ficar, não vale mais que um punhado de carne quase pedra, um choro sem lágrimas, um pedaço que apodrece no dia que acaba. Aceito a noite, tapo-me com ela, apago as luzes e recolho-me a mim mesmo para escutar o vento a assobiar sobre o telhado, a chuva a cair copiosa do outro lado da janela, o mundo que desabou e deixou no meu peito esta fome, este buraco.