Vendedora de doces
 
Como em muitas cidades, havia também na nossa região, além de shopping centers, algumas galerias de lojas com foco nas classes econômicas menos abastadas. Vendiam-se nestes locais roupas, muitas roupas. Havia, pasmem vocês, peças ofertadas no quilo. Numa destas lojas, despreocupada e com um belo sorriso no rosto estava ela, uma incansável funcionária, que orgulhava-se de seu trabalho:
 - Adoro vender, adoro o que faço, dizia.
Tinha vindo para a cidade e a família estava longe. Precisava trabalhar e conseguiu exatamente naquilo que mais gostava. Na loja não havia comissão sobre vendas e nem o vendedor destaque do mês. Mas ela sabia: era sempre a campeã e guardava para si.
Sua estressante jornada variava de um acordar às 4h da manhã, para recolher-se somente às 22h, 23h ou, algumas vezes, de madrugada. Estranho! Lojas de roupas com um expediente tão extenso? Estariam fora da lei? Esclareçamos: é que ela trabalhava também na informalidade e vendia muito. Fabricava e vendia. Nossa dinâmica trabalhadora era uma exímia confeiteira. Sua especialidade: doces artesanais. Coisas simples e bem feitas. No seu “top de linha”, figuravam as cocadas brancas e os pés-de-moleque, que vendia em várias lojas, prédios de escritórios e em outros locais próximos ao seu trabalho.
Olha ela aí subindo as escadas, rumo ao nosso segundo piso:
– Oi. Bom dia! Vocês vão querer doces hoje? Se eu fosse o senhor ficaria com um “pezinho-de-moleque” ou uma “cocadinha”. “Errei a mão” no leite condensado. Está uma delícia. E olha para baixo:
– Ufa! Não acostumo com estas escadas...
Respondi que faziam bem para o coração. Disse ela, sorrindo:
– Não reparem a pressa. Eu só vivo correndo. Estou no fim da minha hora de almoço.
Não perguntamos, mas ela, bastante empolgada, acabou nos revelando neste dia, a sua intrigante rotina.
– Eu acordo cedo, adianto o que posso nos doces. Saio para trabalhar trazendo aqueles que ficaram prontos na noite passada para vendê-los no meu horário de almoço. Ainda hoje devo terminar os que eu comecei a fazer pela manhã. Não é fácil, disse ela, sorrindo como uma criança...
 Ousei imaginar qual seria o futuro desta vendedora. Pessoas simples, seguras e determinadas como ela, sabendo perfeitamente o que querem e onde pretendem chegar, chegam. Um dia, certamente iremos conhecer mais da sua bela história de lutas. Será uma vencedora, sem dúvida. Temos, talvez, nestas poucas linhas, o início de uma trajetória fresquinha, tal e qual os doces que ela, todos os dias, alegremente, vende pela cidade.
 

Em tempo:
Esta crônica foi escrita no outono de 2005. A ilustre protagonista do texto é, hoje, proprietária de uma imponente loja de roupas bem no centro da cidade, onde trabalha com a sua família!
Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 28/02/2018
Código do texto: T6266964
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