O CHIFRE
 
 
Paulo e Melissa tinham um casamento "perfeito" aos olhos de todos. Paulo era bom pai de família e quase nunca pulava a cerca. Intimamente, sentia-se infeliz pelo descaso da esposa que, apesar de ser muito bonita, tinha pouca ou nenhuma disposição para o sexo. Contudo, já estava acostumado com a monotonia do casamento e encarava isso como um sacrifício necessário ao bem dos filhos.

No entanto, há alguns dias, ele notara que a esposa estava diferente. Parecia sonhar acordada e passava muito tempo no Whatasapp. ´Às vezes, chegava a perceber um risinho sem motivo em sua face. Notou ainda, que ela já não brigava por suas idas ao futebol, passando, inclusive, a incentivá-las. O sexo estava muito melhor- lingerie nova e um  "fogo"  nunca visto antes. Estava tudo perfeito, parecia  até  lua de mel.

Mas, o capeta quando vê um casal em paz tem que meter a colher no meio. Paulo estava muito feliz com as mudanças da esposa e atribuía toda ela à nova máquina de lavar roupa que lhe presenteara no natal. Assim, numa certa noite, pegou por engano o aparelho celular de Melissa e por uma "tentação" acabou vendo uma mensagem com o seguinte teor: Boa noite linda! Durma com os anjos.

Aquilo foi o suficente para fazê-la dormir com os anjos e ele com todos os "demônios" do universo. Não se tem palavras para descrever o tormento porque passou Paulo, naquela noite. Se perguntava como era possível aquilo está acontecendo com ele? Ela devia está tendo um "caso", era a única explicação. 

Acordou cedo,  sequer tinha dormido. Pegou o celular da esposa pretendendo conferir tudo direitinho. Ao abri-lo viu que tinha uma nova mensagem, cujo teor deixou-o mais intrigado ainda: "Bom  dia  minha flor! Que seu dia seja iluminado e cheio de alegrias".


Agora já era demais! Ia descobrir quem era aquele sujeito.  Chegou ao trabalho e passou o dia contando as horas para ir embora, pois não se concentrava em nada. Fazia planos mirabolante de como iria descobrir, do que fazer e como fazer.

Sentia uma dor imensa, nunca imaginou que "chifre" doesse tanto. As "escapadinhas" que teve fora do casamento foram todas insignificantes, algo normal, sem nenhuma implicação para seu casamento. Porém, naquele momento, não desejava o que estava passando nem pro  seu pior inimigo. Descobriu que "chifre" doia mais que dor de dente que até então, tinha sido sua pior dor na vida. Naquele dia, sentia doer a alma, como se estivesse sendo marcado com ferro em brasa.


Após o expediente de trabalho foi encontrar-se com Alfredo, seu melhor amigo. Contou-lhe tudo que lhe acontecera e ele se protificou a ajudá-lo,  prometendo não contar nada a ninguém, pois homem perdoa chifre, desde que ninguém saiba. 

Alfredo, após ouvir toda a história, estava boquiaberto e sem acreditar, pois Melissa sempre fora apaixonada pelo marido. Lembrou-se que ele mesmo já lhe tinha feito algumas insinuações e não obteve êxito. Disse ao amigo que devia ser um engano,  coisa de sua cabeça.


- Como assim da minha cabeça?  Não me fale em cabeça que ela já começa a doer. Disse-lhe Paulo.

- Tudo bem, não falo mais em cabeça, mas a sua tá normal, não vejo nada despontando dela. Falou Alfredo, em tom de brincadeira

E continuou:
- Copie as mensagens do telefone de Melissa e me traga que vou verificar o que tem lá. 

- Paulo discordou: Vi que ela apaga todas e não tenho coragem de  olhar aquilo, eu morro se estiver acontecendo... Mas, antes mato todo mundo. Trago o telefone e você confere.

Paulo arrumou uma desculpa e pegou o telefone da esposa no lugar do seu, pois eram quase iguais. Depois ligou para falar que tinha sido por engano e achou a reação dela normal demais para quem tinha tanto a esconder. Pensou logo: "Ela  é  uma artista. Está na profissão errada, devia ser era atriz; falou comigo  como se não tivesse nada a esconder".

Alfredo conseguiu recuperar as mensagens apagadas e foi olhando o teor de cada conversa calmamente. Enquanto isso, Paulo parecia que ia enfartar. Após a análise detida das mensagens, disse ao amigo:

-Não se preocupe, ela não está tendo um caso.

-Como assim? Você tem certeza?

-Sim, as conversas são "quentes", algumas indecorosas até, mas não são de quem já tá "pegando". É de quem quer "pegar", entende? Ainda bem que você descobriu bem a tempo de evitar o pior.

- Veja:  Eles conversam horas a fio. Ele escuta ela falar dos filhos, das flores, do cabelo que não ficou legal, dos pássaros que pousaram na janela, dos sonhos que ela pretende realizar, do filme que a fez chorar; ele ouve até ela cantar desafinada ao  telefone. Ele, por outro lado, conta-lhe que gosta de sair nas sextas-feiras com os amigos pra beber e jogar futebol três vezes por semana; contou até que tirou todo o dinheiro da poupança pra comprar uma bike nova e ela o apoiou em tudo. Além disso,  todos os dias  antes de dormir, ele manda-lhe um beijo de boa noite e um bom dia ao acordar.

Paulo ficou pensativo e perguntou:
- Isso não é sinônimo de chifre?
- Não, meu amigo. Disse-lhe Alfredo. Isso prova exatamente o contrário, pense comigo:

- Quando você foi assim com ela?

- Quando eu a conheci e queria ficar com ela.

- Exato, esse é o ponto.

Quando o cara quer "pegar" ele suporta as conversas mais enfadonhas do mundo; a  mulher, ´por outro lado,  apoia o  cara em tudo. Depois que "pega"  o diálogo não dura mais que cinco minutos, enquanto a mulher, passa a implicar com tudo, não aceita mais ele sair com os amigos ou ir ao futebol, até os amantes agem assim com o passar do tempo. Aqui tem diálogos de horas.  Ele ainda não pegou. Basta você abrir o  olho e nunca pegará.

Alfredo foi para casa pensando se tinha conseguido acalmar o amigo, pois nem ele mesmo estava muito convencido de sua teoria. No caminho para casa,  comprou  flores para a esposa, pois aprendeu com seu pai que: "quando a barba do vizinho está pegando fogo é melhor colocar a nossa de molho". Ainda bem que Paulo não quis saber quem era do outro lado, odiaria ter que contar quem estava do outro lado.

Paulo ficou  pensando se o amigo tinha mesmo razão. Até que tinha lógica suas explicações,  mas será quê...? Eram tantos elogios naquelas conversas. Mas, viver sem Melissa e os filhos era tudo tão confuso e poderia ser só coisa de sua cabeça... Não ... nada de cabeça,  tinha que esquecer esse negócio de cabeça! Só queria ter certeza, pois a dúvida iria matá-lo e se isso acontecesse ela se casaria  com o outro... Outro? Vixe! De quem era aquele número?