EI, OLHA PRA MIM!
EI, OLHA PRA MIM!
Pessoas se espalham por todos os lugares como se fossem água sem barragem.
Aqui e ali, sempre esbarramos uns nos outros. Nas intermináveis filas nos caixas de banco, supermercados, postos de saúde, hospitais e por onde quer que possamos ir, lá estão elas, as pessoas. E as respectivas senhas. Mas…
Tem um lugar que procuramos um jeito de não esbarrar nelas. E temos senhas secretas para isto. As ruas. E seus moradores.
Uns porque se mostram de forma impactante para nós. Suas doenças nos contaminam escancarando nosso descaso perante as dores dos seus corpos. Corpo fétido aos nossos narizes insensíveis. Porque fazemos de conta que está bem assim mesmo. Temos uma senha para pensar assim. Quer ver? Eles escolheram estar assim! E é assim, validados pela senha que deixamos de sentir o odor da dor.
Corpo esquálido e encardido pelas nossas faltas de afeto pelo outro. Que jogam na nossa cara o quanto somos miseráveis, avarentos e sovinas ao demonstrar a porcaria da piedade. Só ter piedade, não basta! Não vale. Esta senha é inválida.
Outros nos encaram a alma. Olham de um jeito torto que a gente não aguenta. E aí… é melhor, mais saudável (para nós), não olharmos nos olhos deles. Porque se os olhos são as janelas da alma, é por estas janelas que vemos que suas dores são nossas também. Dores que eles nos mostram. E que nós fantasiamos e enfeitamos que não existem. Temos senha para isto também.
Dores que não queremos ver. Muito menos ter.
Estão por toda parte como está a água, que tanto não lhes chega. Nem para um simples banho. Nem para um pequeno gole. Não podemos matar-lhes a sede, dirão. Mas digo que eles, os sedentos, podem matar em nós a sensibilidade de ver perante o espelho no qual refletem a mim e a você, que agora me lê.
O quê não queremos ver? E que o justificamos de mil formas? Temos senhas para isto, também. Veja! Tenho que cuidar da minha própria vida. Tenho minha família, dirão apegados. Tenho meu emprego, que me consome quase todo meu tempo, se orgulharão. Tenho responsabilidades prioritárias, se envaidecerão.
Tudo bem! Isto, porém, não muda aquilo que lá está. Esparramado como água sem barragem. Talvez um dia nos afogaremos nela. Enquanto isso não acontece, o quê podemos fazer? Sim. Eu posso e você também pode.
De minha parte quero ouvir o que eles têm para contar. Posso começar oferecendo uma garrafinha de água. E depois… não sei. Depois volto aqui e conto pra você.
E você, pode fazer o quê?
Vamos pegar a senha?
Mírian Cerqueira Leite