Araponga
Eu, com total isenção de parcialidade, tenho um grande poder de convencimento, sou um apaziguador, talhado para ser mediador... eu sou um MEDIADOR.
Quando, em campo, fiquei entre alguém, ao telefone, querendo fazer uma reclamação, a quem doravante passarei a chamar de – De um lado, e, por outro lado, alguém com voz metálica, cibernética, que doravante identificarei como ARAPONGA.
De um lado fez a ligação, que foi imediatamente completada, e Araponga se anuncia: Se você quer adquirir outro produto da nossa linha, disque UM; se quer a localização de uma de nossas unidades mais próxima de você, disque DOIS... e assim sucessivas opções são apresentadas, menos aquela que oferece “ninho” , onde possa ser enfiado o produto objeto da reclamação, enfim-“ se o que deseja não se inclui em nenhuma das opções apresentadas, disque 17”. É quando tem início aquela música que tocam os entregadores de gás; os vendedores de pamonha de Piracicaba; os vendedores sabão em pó, sabão líquido, limpa-chão, e Ajax... tem início, mas nunca tem fim.
Entre a Sinfonia Inacabada, e a Sinfonia sem fim existe uma distância enorme, onde nunca caberia sua vã filosofia, é abissal.
O De um lado não tinha abertura para dizer tudo o que queria, para xingar o quanto queria, mais do que reclamar ele queria desabafar, e o Araponga de forma perversa, com nuances de maldade, nada lhe permitia.
O tempo passava, a hostilidade crescia, e o Araponga, cruel, impassível a tudo NÃO ouvia, e deixava o De um lado totalmente marginalizado.
O remorso, a contaminação, a iminente ânsia de invadir, e de me tornar agente participante da disputa, fizeram com que eu abandonasse o meu posto, pois sabia, de antemão, que o Araponga, ao final, iria pedir para que eu avaliasse aquele atendimento, e fatalmente eu cometeria um assassinato, mesmo sabendo que aquela era apenas uma voz “cibernética”, um diálogo virtual.