A Vida
Estávamos em 1947. Eu tinha, então, 13 anos e trabalhava num Bar e Café, na Rua 13 de maio, em Campinas. Eu como um jovem sonhador, imaginava muitas coisas que na época eram impossíveis para um filho de ferroviário.
Mas o bar e Café era, para mim, como uma faculdade, pois como um bom observador eu via, ouvia e aprendia muito. Em nossos fregueses contávamos com médicos, professores, motoristas, alunas da Escola Normal, além de donos de várias lojas do comercio de Campinas, das imediações, além de quase todos os seus funcionários.
Estávamos prontos para fechar o estabelecimento. Era noite e aproximávamo-nos das 19h00. Eu e um parente, na verdade um primo, do Sr. José Augusto Coelho, o proprietário do Bar, Café e Restaurante. O Sr. Coelho estava viajando com os familiares, em viagem curta. Eu era o mais velho dos quatro jovens que ali trabalhávamos.
Foi ai que chegaram dois médicos que tinham consultório nas imediações do bar. Como de costume eu era o encarregado de servi-los. Eles tomavam cada um, uma dose do vinho português “Viúva Colares”. E comiam uma porção de presunto.
Porém, quando eu ia começar a atendê-los, eu vi um casal que me fez uns sinais, da única porta que ainda estava aberta. Pedi licença aos médicos e fui até o casal. Então, o homem que era marido da mulher, me disse:
“Nós estamos com muita fome. Só que não temos mais dinheiro. O que tínhamos usamos para comprar nossas passagens para São José do Rio Pardo, nossa cidade. O que você poderia fazer por nós?”
Então eu pedi a eles que adentrassem o Bar e ocupassem uma mesa. Pedi que eles aguardassem um pouco e fui até os médicos. Servi o que eles queriam. Eles comentavam sobre suas atividades diárias, como médicos, e pensei que estivessem alheios ao que estava acontecendo ali no Bar e Café. E voltei ao casal. Nós, do bar, tínhamos uma grande estufa onde colocávamos todas as travessas que eram para fazer sanduiches, com vários tipos de carne, linguiça, etc. e deixávamos prontos muitos lanches, que ficavam aquecidos. Devo dizer que cada lanche daqueles era quase uma refeição. Nós íamos buscar na padaria Minerva, que ficava na Rua Costa Aguiar, cerca de 80 pães normais. Cada pão dava para fazer 3 lanches. Todas as noites sobravam cerca de 3 a 4 sanduiches daqueles. Eu fui verificar e realmente tinham 4 lanches daquele dia. Coloquei-os todos numa bandeja e duas médias de café com leite. E fui levar ao casal da mesa. E disse a eles;
“Se vocês quiserem mais alguma coisa eu vou providenciar”. E ainda falei:
“Comam a vontade que eu vou faze alguma coisa para levarem na viagem”.
Ai os médicos que tinham acabado de tomar os seus vinhos vieram ao meu encontro. Eles me abraçaram e me disseram:
“Parabéns, Laércio! Você acabou de dar uma demonstração de caridade e de amor ao próximo. Você demonstrou uma grande visão psicológica, e de grande humanidade. Eu sou médico e psiquiatra, e meu amigo, aqui é médico e psicólogo”.
Ele ainda me disse:
“Laércio, você deveria estudar psicologia, ou psicanálise, pois teria muito sucesso”.
Agradeci aos elogios e fechamos o Bar e Café.
Quando já deitado em casa falando comigo mesmo, disse: “perdoem-me Freud, Piaget, Jung, Lacan, Bandura, mas vai ficar para a próxima encarnação".