ASSOMBRAÇÃO
Durante pouco mais de 15 anos quando comandava o setor de contabilidade numa determinada empresa , a convivência com centenas de funcionários, rendeu-me além das amizades,um grande número de histórias muito pitorescas junto ao pessoal da produção.
Um destes ,à quem jamais esqueci até por um certo "drama de consciência",chamava-se Leonoro.
"Seo Leonoro!"
Segundo ele,êsse nome um tanto "diferente",resultara da homenagem de seus pais a uma certa pessoa da família de nome Leonor (obviamente).
O distinto fora meu colega de trabalho nos idos de l980.
Valendo-se do bom relacionamento que mantinha com pessoa do proprietário da empresa, conseguira um "cabidezinho" para dar um reforço nos parcos vencimentos de sua aposentadoria. Assim,acenaram-lhe com a oportunidade de exercer a função de vigia noturno.
Em que pese todo o carinho e respeito que sempre lhe devotamos, Seo Leonoro era mesmo um tipo xaropinho, uma valisesinha delicada, porém... sem alça...
Embora varasse a noite no desempenho de seu trabalho, tôdas as tardes por volta das quatorze horas marcava presença no escritório onde permanecia até o final do expediente narrando suas histórias.O assunto predileto eram reminiscências das assombrações que vira no decorrer de sua juventude,em especial na época da "Coresma" (quaresma) quando ,segundo êle,os sêres de outro mundo ficavam mais ativos.
"O dia é dos vivos,a noite é dos invisiverrrs", frase de efeito que fazia questão de mencionar com frequência. Havia até um preâmbulo que utilizava em todos os relatos:
"Numa ocasião em 1940, meus amigos e eu....Isso aconteceu lá na serraria dos Pissaia !..."
[Tudo, absolutamente, em sua vida ocorrera na tal Serraria dos Pissaia]
E lá vinham histórias cabeludas que , educadamente , ouviámos para depois tirar as nossas conclusões.
Um destes intrigantes relatos dava conta do retorno de um baile (em 1940) quando um grupo de amigos do qual ele fazia parte ,vinham à pé por uma estradinha de mato, quando ouviram um tropel. Assustados,avistaram uma luz intensa que percorria o trecho
" sapecando a macega".
Era um barulho infernal que dêles ia se aproximando. Apavorados,tiveram tão somente o tempo de atirarem-se contra um barranco de onde visualizaram a passagem de uma carroça enorme atrelada à cinco cavalos pretos e "a mula sem cabeça" .
Esta, ao notá-los, "virou a cabeçinha para o lado e relinxou,soltando bolas de fogo pelo foçinho".
_Figa em cruiz!...Seu Joer, mas dispois disso, nada mais me mete medo, afirmou o saudosista.
Paulinho, filho mais novo do chefe, que a tudo ouvia com um arzinho debochado, esperou que o valente se retirasse e começou a bolar uma maneira de assusta-lo.Queria por à prova aquela suposta valentia.
Pipocaram sugestões entre o pessoal do escritório,mas o bando de mediosos,na tentativa de um agrado ao mais velho da turma (que era este que vos relata) elegeram a (in)feliz, ainda que brilhante , idéia que me ocorrera.
Sugeri a Paulinho que pela madrugada ficasse escondido entre o reflorestamento de Pinus,por onde Leonoro teria obrigatoriamente de cruzar umas tantas vezes, a fim de marcar um dos relógios de vigia.
Que fosse munido de um guarda chuva de tamanho grande e, correndo entre o arvoredo em direção ao corajoso,armasse e desarmasse o mesmo continuamente; o que daria a impressão de um fantasma,vampiro,ou coisa parecida.
A idéia, de acordo com o combinado, deveria ser posta em prática futuramente. Afinal já estava mais que na hora de se comprovar a valentia do nosso herói das tardes.
Passaram-se alguns dias, eu nem lembrava do assunto, quando chegando para o trabalho deparo-me com algo inusitado.Um rastro de pó amarelado, fétido, formando arabescos de cruzes ao redor do escritório. Antes que eu tentasse decifrar o enigma, eis que surge Seo Leonoro !
Lívido, com a voz embargada, dirige-se a mim,dizendo apavorado:
_Acerte as minhas contas, aqui não fico mais!...
Calma ! O que está contecendo Seu Leonoro? pergunto-lhe.
_Home!...Sou um cabra corajoso; já vi de tudo nêsse mundo e confesso que não tenho medo de nada,mas o que presenciei nesta madrugada,foi coisa muito feia ! Já me deparei com muito lobisomen nas "Coresmas", até lutei c´os bichinho, mas morçego gigante!!!...Nunca tinha visto antes e nem quero ver jamais!...E não era um só, eram dezenas dêles correndo atrás de mim, com olhos de fogo, arregalados !...
Salpicavam faíscas pelo meio do reflorestamento.Êsse pó espalhado por aqui é enxofre, que é pra fechar os corpos e proteger os caminhos de voçês.Por favor, não brinquem que o "Causo é sério" e aqui não fico mais.
Depois desse episódio Seo Leonoro foi montar guarda na loja da chefia que ficava no centro da cidade e nós acabamos até sentindo falta das suas aventuras que sempre começavam assim: (em l940...Serraria dos Pissaia )
Desde então,as tardes no escritório ficaram monótonas, sentíamos a falta do velhinho de cabelo brilhantinoso e sapatos sempre bem polidos.
Vez e outra êle aparecia todo engomadinho a nos fazer uma visita.
Paulinho, sarcástico, insistentemente lhe fazia a mesma pergunta:
_E aí ...Seu Leonoro, como vai a morcegada?
O velhinho benzia-se e repetia em voz gutural , quase irritada:
_Abuzaaaaaannnnte!!!...
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.Preservados os comentários ao texto anterior:
18/01/2014 17:51 - Maria Santino
Beleza, por mais que causos provoquem medo, é maravilhoso senti-lo. Gostei do causo BRRRRRR!!! Rsr. Abraço
26/06/2013 19:44 - Jajá de Guaraciaba
Boa noite, Iratiense! Gostei muito do seu "causo" da assombração, mormente da maneira pela qual você o escreveu. Todo o blasonador é medroso. Seu texto me fez lembrar que eu também tenho um causo cognominado: A ASSOMBRAÇÃO DA VOLTA ESCURA,se quiser lê-lo acho que vai gostar. Abraço e até breve.
13/09/2011 15:21 - Fada das Letras
Muitos belos e divertidos os seus causos e teztos. Voltarei para ler mais...gostei da sua visitinha...volte sempre. Beijos de além Atlântico...
02/06/2010 22:36 - Lilian Reinhardt
Muito lindo, evocativo, lembrou-me tanta coisa...esses passos poéticos são maravilhosos, sua narrativa é de uma pugente força de vida, respira! Parabéns! imenso abraço!
10/01/2010 23:24 - Helena de Paula
Meu amigo que bela historia adorei e ri muito parabens!!!vou ler todos teus textos com certeza.Mas muito obrigado pelo comentario em Meu Reino Encantado!!!beijos
11/09/2009 18:41 - Malgaxe
Gostei do seu leonoro, estes contos botavam um medo na piazada antigamente, meu deus!!! Parabéns amigo abraços
07/09/2009 08:52 - Layara
Risos! adorei! Tu és um grande contador de histórias! Belo talento! abraços
05/09/2009 19:31 - Rosso
Um "causo" muito bem contado pelo amigo, como sempre. Um abraço.
05/09/2009 19:06 - Maria Iaci
Adorei o causo! Você é um grande contador, mas de causos -- se é grande contador no seu trabalho, isso é um outro assunto e eu não tenho como saber, embora desconfie que seja também. Aprendi o caminho pro seu recantinho e, se você permitir, voltarei sempre... e sem medo de assombração nem de morcegão. Ah, sim, o voo do gavião lááá no alto é uma beleza (como você bem disse no seu comentário), com certeza! Um abraço, colega recantista. E seja sempre bem vindo ao meu recantinho. :)
04/09/2009 14:40 - Lisyt
Quando olhamos para trás lembramos de histórias que de alguma forma ficaram marcadas e que hoje vale a pena serem contadas. E você faz isso muito bem!...Abraços!Tenha um belo fim de semana.
04/09/2009 04:50 - Dante Marcucci
Gostei, gaucho honorário! Saber contar história não é pra qualquer um. Tu sabes. Um dia desses ainda escrevo sobre essas serrarias...tenho boas lembranças...Um abraço e bons cheiros!
04/09/2009 00:47 -
Êita! Figuraça seu Leonoro! Inté! abraços
03/09/2009 22:16 - Ivan Ferretti Machado
Me fez lembrar da minha meninice, quando no mês de junho nos reuniamos em volta da fogueira, e os mais velhos contavam essas histórias de arrepiar o cabelo. Adoravamos ouvi-las, o problema era na hora de dormir. Ôoo medo danado!Adorei o seu texto. Muito bem abordado e muito bem desenvolvido. Prendeu-me a atenção até o fim. Abraços e milhões de parabéns.
03/09/2009 20:22 - Anita D Cambuim
Coitado do valentão! rs. Anita.
Durante pouco mais de 15 anos quando comandava o setor de contabilidade numa determinada empresa , a convivência com centenas de funcionários, rendeu-me além das amizades,um grande número de histórias muito pitorescas junto ao pessoal da produção.
Um destes ,à quem jamais esqueci até por um certo "drama de consciência",chamava-se Leonoro.
"Seo Leonoro!"
Segundo ele,êsse nome um tanto "diferente",resultara da homenagem de seus pais a uma certa pessoa da família de nome Leonor (obviamente).
O distinto fora meu colega de trabalho nos idos de l980.
Valendo-se do bom relacionamento que mantinha com pessoa do proprietário da empresa, conseguira um "cabidezinho" para dar um reforço nos parcos vencimentos de sua aposentadoria. Assim,acenaram-lhe com a oportunidade de exercer a função de vigia noturno.
Em que pese todo o carinho e respeito que sempre lhe devotamos, Seo Leonoro era mesmo um tipo xaropinho, uma valisesinha delicada, porém... sem alça...
Embora varasse a noite no desempenho de seu trabalho, tôdas as tardes por volta das quatorze horas marcava presença no escritório onde permanecia até o final do expediente narrando suas histórias.O assunto predileto eram reminiscências das assombrações que vira no decorrer de sua juventude,em especial na época da "Coresma" (quaresma) quando ,segundo êle,os sêres de outro mundo ficavam mais ativos.
"O dia é dos vivos,a noite é dos invisiverrrs", frase de efeito que fazia questão de mencionar com frequência. Havia até um preâmbulo que utilizava em todos os relatos:
"Numa ocasião em 1940, meus amigos e eu....Isso aconteceu lá na serraria dos Pissaia !..."
[Tudo, absolutamente, em sua vida ocorrera na tal Serraria dos Pissaia]
E lá vinham histórias cabeludas que , educadamente , ouviámos para depois tirar as nossas conclusões.
Um destes intrigantes relatos dava conta do retorno de um baile (em 1940) quando um grupo de amigos do qual ele fazia parte ,vinham à pé por uma estradinha de mato, quando ouviram um tropel. Assustados,avistaram uma luz intensa que percorria o trecho
" sapecando a macega".
Era um barulho infernal que dêles ia se aproximando. Apavorados,tiveram tão somente o tempo de atirarem-se contra um barranco de onde visualizaram a passagem de uma carroça enorme atrelada à cinco cavalos pretos e "a mula sem cabeça" .
Esta, ao notá-los, "virou a cabeçinha para o lado e relinxou,soltando bolas de fogo pelo foçinho".
_Figa em cruiz!...Seu Joer, mas dispois disso, nada mais me mete medo, afirmou o saudosista.
Paulinho, filho mais novo do chefe, que a tudo ouvia com um arzinho debochado, esperou que o valente se retirasse e começou a bolar uma maneira de assusta-lo.Queria por à prova aquela suposta valentia.
Pipocaram sugestões entre o pessoal do escritório,mas o bando de mediosos,na tentativa de um agrado ao mais velho da turma (que era este que vos relata) elegeram a (in)feliz, ainda que brilhante , idéia que me ocorrera.
Sugeri a Paulinho que pela madrugada ficasse escondido entre o reflorestamento de Pinus,por onde Leonoro teria obrigatoriamente de cruzar umas tantas vezes, a fim de marcar um dos relógios de vigia.
Que fosse munido de um guarda chuva de tamanho grande e, correndo entre o arvoredo em direção ao corajoso,armasse e desarmasse o mesmo continuamente; o que daria a impressão de um fantasma,vampiro,ou coisa parecida.
A idéia, de acordo com o combinado, deveria ser posta em prática futuramente. Afinal já estava mais que na hora de se comprovar a valentia do nosso herói das tardes.
Passaram-se alguns dias, eu nem lembrava do assunto, quando chegando para o trabalho deparo-me com algo inusitado.Um rastro de pó amarelado, fétido, formando arabescos de cruzes ao redor do escritório. Antes que eu tentasse decifrar o enigma, eis que surge Seo Leonoro !
Lívido, com a voz embargada, dirige-se a mim,dizendo apavorado:
_Acerte as minhas contas, aqui não fico mais!...
Calma ! O que está contecendo Seu Leonoro? pergunto-lhe.
_Home!...Sou um cabra corajoso; já vi de tudo nêsse mundo e confesso que não tenho medo de nada,mas o que presenciei nesta madrugada,foi coisa muito feia ! Já me deparei com muito lobisomen nas "Coresmas", até lutei c´os bichinho, mas morçego gigante!!!...Nunca tinha visto antes e nem quero ver jamais!...E não era um só, eram dezenas dêles correndo atrás de mim, com olhos de fogo, arregalados !...
Salpicavam faíscas pelo meio do reflorestamento.Êsse pó espalhado por aqui é enxofre, que é pra fechar os corpos e proteger os caminhos de voçês.Por favor, não brinquem que o "Causo é sério" e aqui não fico mais.
Depois desse episódio Seo Leonoro foi montar guarda na loja da chefia que ficava no centro da cidade e nós acabamos até sentindo falta das suas aventuras que sempre começavam assim: (em l940...Serraria dos Pissaia )
Desde então,as tardes no escritório ficaram monótonas, sentíamos a falta do velhinho de cabelo brilhantinoso e sapatos sempre bem polidos.
Vez e outra êle aparecia todo engomadinho a nos fazer uma visita.
Paulinho, sarcástico, insistentemente lhe fazia a mesma pergunta:
_E aí ...Seu Leonoro, como vai a morcegada?
O velhinho benzia-se e repetia em voz gutural , quase irritada:
_Abuzaaaaaannnnte!!!...
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.Preservados os comentários ao texto anterior:
18/01/2014 17:51 - Maria Santino
Beleza, por mais que causos provoquem medo, é maravilhoso senti-lo. Gostei do causo BRRRRRR!!! Rsr. Abraço
26/06/2013 19:44 - Jajá de Guaraciaba
Boa noite, Iratiense! Gostei muito do seu "causo" da assombração, mormente da maneira pela qual você o escreveu. Todo o blasonador é medroso. Seu texto me fez lembrar que eu também tenho um causo cognominado: A ASSOMBRAÇÃO DA VOLTA ESCURA,se quiser lê-lo acho que vai gostar. Abraço e até breve.
13/09/2011 15:21 - Fada das Letras
Muitos belos e divertidos os seus causos e teztos. Voltarei para ler mais...gostei da sua visitinha...volte sempre. Beijos de além Atlântico...
02/06/2010 22:36 - Lilian Reinhardt
Muito lindo, evocativo, lembrou-me tanta coisa...esses passos poéticos são maravilhosos, sua narrativa é de uma pugente força de vida, respira! Parabéns! imenso abraço!
10/01/2010 23:24 - Helena de Paula
Meu amigo que bela historia adorei e ri muito parabens!!!vou ler todos teus textos com certeza.Mas muito obrigado pelo comentario em Meu Reino Encantado!!!beijos
11/09/2009 18:41 - Malgaxe
Gostei do seu leonoro, estes contos botavam um medo na piazada antigamente, meu deus!!! Parabéns amigo abraços
07/09/2009 08:52 - Layara
Risos! adorei! Tu és um grande contador de histórias! Belo talento! abraços
05/09/2009 19:31 - Rosso
Um "causo" muito bem contado pelo amigo, como sempre. Um abraço.
05/09/2009 19:06 - Maria Iaci
Adorei o causo! Você é um grande contador, mas de causos -- se é grande contador no seu trabalho, isso é um outro assunto e eu não tenho como saber, embora desconfie que seja também. Aprendi o caminho pro seu recantinho e, se você permitir, voltarei sempre... e sem medo de assombração nem de morcegão. Ah, sim, o voo do gavião lááá no alto é uma beleza (como você bem disse no seu comentário), com certeza! Um abraço, colega recantista. E seja sempre bem vindo ao meu recantinho. :)
04/09/2009 14:40 - Lisyt
Quando olhamos para trás lembramos de histórias que de alguma forma ficaram marcadas e que hoje vale a pena serem contadas. E você faz isso muito bem!...Abraços!Tenha um belo fim de semana.
04/09/2009 04:50 - Dante Marcucci
Gostei, gaucho honorário! Saber contar história não é pra qualquer um. Tu sabes. Um dia desses ainda escrevo sobre essas serrarias...tenho boas lembranças...Um abraço e bons cheiros!
04/09/2009 00:47 -
Êita! Figuraça seu Leonoro! Inté! abraços
03/09/2009 22:16 - Ivan Ferretti Machado
Me fez lembrar da minha meninice, quando no mês de junho nos reuniamos em volta da fogueira, e os mais velhos contavam essas histórias de arrepiar o cabelo. Adoravamos ouvi-las, o problema era na hora de dormir. Ôoo medo danado!Adorei o seu texto. Muito bem abordado e muito bem desenvolvido. Prendeu-me a atenção até o fim. Abraços e milhões de parabéns.
03/09/2009 20:22 - Anita D Cambuim
Coitado do valentão! rs. Anita.