QUARESMA. TEMPO DE REFLEXÃO
Em nosso sacrário interior temos nossas reservas, podemos ficar sempre ao lado delas, algumas se tornam indeléveis em nossas personalidades. Outros recessos de nosso interior, aos grandes amigos damos acesso, outros são só nossos. E para nós mesmos diversas variantes caminham nesses entroncamentos do psiquismo.
Há coisas nossas que confessamos para nós mesmos, outras para os grandes amigos. Guardo a certeza de nunca ter tido ódio ou carregado mágoas, ressentimentos. Não faz parte de meu estatuto pessoal. Sou maior que o ressentimento e menor do que a desavença. Por isso só tenho amigos, um bom grupo de amizade de mais de meio século almoça junto todo mês. Diversidade de ideias e conformidade de universalidades assentadas pela humanidade civilizada fazem o concerto de ideias.
Em tempo de penitência e arrependimento, quaresma, vemos a hipocrisia se alargar em cenários tomados pela “máscara” dos romanos, sempre presente.
Na minha mesa, no meu entorno, no meu currículo de conhecimento não há estranhos, ou alguém que me diga não me conhecer. Eu tenho o cacoete de pretender conhecer no mesmo instante quem conheço, lógico, pessoalmente, olhando nos olhos. E nunca errei. De tanto lidar com pessoas, com o público, e seus problemas, resolvê-los.
Amigos é caso à parte, conhecer é outro plano. Não temos amigos diametralmente opostos ao que somos e pensamos. Não é possível.
Até na amizade há interesse.
Assim, é o interesse, mola do mundo. Disse certa vez, “via antena”, internet, que até mesmo na amizade, sem nenhuma materialidade sob enfoque, que na amizade pura, em sentido estrito, há interesse. Houve espanto. Não me espantei com o espanto.
É o interesse que move o mundo e por isso é regulado por normas, pois o “direito é o interesse protegido pela lei, econômico e moral”, esta é a melhor definição do direito como ciência. Amizade é interesse moral.
E um lado exclusivo no interesse, o imaterial, é de estar também ao lado de um amigo(a), por exemplo, que traga bem estar e satisfação, prazer em momentos lúdicos.
Quem elege amizade desta ou daquela pessoa faz escolha, por interesse. Falo de amizade, não de conhecimento, coisa trivial. Estamos diante do interesse que traz alegria, prazer no diálogo, afinidade de gostos. Não se cogita de ser “interesseiro”, pejorativo que descamba para o lado material.
Pergunto, alguém gosta de estar ao lado de uma pessoa que além de não ter afinidades é inconveniente, te estranha, fica dispersa quando você a ela se dirige, não ouve, etc. Ter “amigo” ou conhecido por outros fatores que não o eletivo, ocorre, mas a amizade é diferente de puro conhecimento, sem admiração.
E quantos conhecimentos, com grau maior ou menor de amizade, se existe amizade, se rompem ou são neutralizados por esse fator, interesse.
Ninguém gosta de sentar na mesa destinada à alegria, da interlocução, para sufragar desencontro, desídia, indiferença ou discórdia, estranheza.
Do interesse é filha a vontade, com a variação para o bem ou o mal. Do interesse frutifica o altruísmo e o egoísmo, a probidade e a improbidade, o amor ou a indiferença. Ideias afins ou não. O interesse e a vontade estão enlaçados.
Quaresma, tempo de arrependimento e aclarar o que possa ser de alguma forma nebuloso e depende da boa vontade do homem, que pode ser herói ou vilão. O herói não carrega culpa, pois busca o bem.
Quaresma é tempo litúrgico de conversão que prepara a grande festa do encontro com Jesus de Nazaré; Páscoa.
Na Quaresma aprendemos a conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a tomar nossa cruz com alegria para alcançar a glória da ressurreição.
Muitos têm feito essa redenção, lava um pouco a consciência como alguns a tanto têm se inclinado, mesmo os que negam a redenção dos homens pela liberdade daqueles reduzidos ao sofrimento, desconhecidos entre as paredes do cárcere e na prisão da expressão.
Expiam seus erros e desvios pela redenção e arrependimento, de alguma forma, mas principalmente, tais gestos, iniciáticos de mudança, têm o condão de libertar consciências e só a eternidade poderá prestar justiça a todas essas condutas. Quem somos nós para pautar a inclinação do próximo, rezamos pela incompreensão, mas podemos evitar a desconformidade de princípios eletivos, absolutamente distantes dos nossos, de estarem ao nosso lado, sem nenhuma mácula.