PASSANDO A CONVERSA
 20/12/2009- Diário de minhas  andanças


Meu primo Luiz foi,sem dúvida,um dos meus maiores amigos de infância.Tínhamos quase a mesma idade,sendo eu um pouco mais velho.Como morávamos proximos êle estava sempre em nossa casa,participava do nosso dia a dia,ajudava-me (e muito) nas tarefas que me eram atribuídas.
Combinávamos em tudo.Tínhamos em comum o gosto por aviões.Não muito distante da nossa casa havia um campo de pouso e era prá lá que seguíamos em desabaladas carreiras sempre que avistávamos algum "teco-teco" cruzar o céu em manobras de aterrizagem.
Às sextas feiras,um pouco antes das nove da manhã.já estávamos postados à espera do correio aéreo.A nossa frequência fêz com que ficássemos amigos do piloto,que percebendo o nosso capiausismo,vez e outra nos brindava com alguns vôos razantes antes de tomar o rumo à cidade de Guarapuava.
Agosto à pique!...
Nossos corpos tomados daquêle "calorzinho" que prenuncia a mudança de estação.Preparávamos iscas e varas de pescar...Na campina ensolarada o riacho era um espelho que se quebrava em mil pedaços à nossa espera.Pescaria num dos lados e natação no outro...Uma pequena represa de águas muito limpas onde dividiámos os espaços com os branquíssimos gansos de dona Júlia.


Eis que entra em cena Dona Hilda,minha mãe,que naquela ocasião precisava de uma "limpezinha" no fundo do quintal.
Como em nossa casa tudo descambava para os lados do exagero o que sa chamava quintal era quase uma roça.
Ao pressentir os nossos preparativos para pescaria e mergulhos,foi se aproximando como quem nada quer e com aquela sua conversinha calma,mole e convincente (como sempre) sentou-se ao nosso lado debaixo das pereiras.
Olhando em direção às "terras de plantas" nos apontou para uma núvem de fumaça que se erguia à distância.
_Meus filhos,disse ela,estão vendo aquela "fumaçinha" lá?...Distante?...São as queimadas de agosto.(naquêle tempo costumava-se usar esta prática para preparar a terra) Pois bem; já morei na roça e lhes digo:Nada é mais agradável e delicioso que um "café na roça".
Senta-se debaixo de uma árvore e enquanto vai lanchando,observa-se a fumaça subir aos "pitos".
Sabem... O cheiro do feno queimado,os desenhos que vão se formando no ar, chegam emocionar.É uma espécie de sacrifício do capim sêco queimando-se para alimentar a terra e dar novas vidas às plantas.É como uma celebração,vocês me entendem?...
Ficamos embasbacados,não tínhamos o que dizer.Uma pequena pausa,e aquela voz convincente,serenamente rompe o silêncio.
_O que acham vocês em limpar o quintal ?...É coisa rápida e logo vocês estarão liberados para as diversões.Lá pelas três horas eu lhes trago o "café da roça" conforme lhes contei.
Vocês vão adorar !
De pronto, fomos convencidos.Apanhamos as enxadas e e sem muita demora deixamos tudo muito limpo.Lá pelas tres horas, nós já bem cansados,aparece dona Hilda,carregando uma cesta encoberta com uma toalha de cozinha.
Primeiro nos ordenou que ateássemos fogo ao monte de feno sêco e depois,sentados sob uma macieira,nos foi servido duas garrafinhas de café com leite acompanhadas de bolinhos de chuva,broa de centeio com mel e manteiga e algumas mandiocas fritas.
Típicamente da roça.
Nos empanturramos daquêle café,sentindo o cheiro do capim queimado e os olhos alternando-se: ora direcionados aos pito de fumaça que se erguia,ora aos mil pedaços do espelho dágua que nos chamavam na campina.
Acabado o lanche (?),fomos liberados e como dois pôtros xucros pulamos a cêrca e a poucos metros nos atgiramos n´agua provocando o protesto dos gansos de dona Julia.

Hoje,analisando a situação,penso que minha mãe usou de psicologia.À sua moda,matuta,simplória,do único jeito que sabia.Se tivesse usado de austeridade e "exigisse" o cumprimento da tarefa,talvez isso não ocorresse,ou faríamos contrariados,resmunguentos e com má vontade.
Aquela sua lábia muito bem passada, diga-se de passagem, nos convenceu (nos levou no papo) e em troca êla têve o quintal limpo.
Nos dias de hoje, sua psicologia não daria resultado.Os meninos de agora têm outra cabeça,não param ou não gostam de ouvir os mais velhos.Ou,se ouvissem,provavelmente diriam: "Papo sinistro meu!" "Qual é ,brother?" "Eu, hein? A véia tá pirada !..."
Ou,em último caso,se fossem convencidos,assim que iniciassem a tarefa,o primeiro vizinho ou passante qualquer que os avistasse denunciaria o "trabalho escravo" para o Conselho Tutelar.
E aí o bicho pegava !

Joel Gomes Teixeira

Texto  reeditado.Preservados os comentários ao texto anterior:




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15/01/2010 19:45 - josé cláudio Cacá
Agora eu sei de onde herdou esse lirismo todo. Sua mãe lhe dava ordens com poesia. rsrs. Fantástico! Quanto aos tempos modernos, tem mesmo razão. Hoje, para impormos uma autoridade aos pequenos é tarefa muito difícil. E um preço muito alto que ficará para ser cobrado mais tarde. Quem viver verá. Meu abraço. P.S: Devagar vou resgatando as preciosas leituras que perdi nessas minhas "férias". Paz e bem.


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06/01/2010 22:29 - Malgaxe
O campo de aviação era um lugar que nuca devia ter acabado e sim melhorado, sido modernizado, mas... Bem quanto a psicologia maternal, a da minha mãe sempre revestiu-se de um relho que numa das visitas ao campo santo da vila S.joão onde repousam meus entes queridos, ela achou no caminho. Com certeza pedido por algum carroceiro descuidado. Um detalhe que nunca mais vou esquecer era o formato do cabo do relho, imagina que fizeram um pequeno pé na ponta do dito cujo. Então quando a gurizada ia dizer não para as ordens da Dona Júlia ela logo ia dizendo: Cuidado com pézinho......E a gente ia correndo fazer o que ela mandava, rsrssr grande abraço.


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05/01/2010 08:14 - Maria Iaci
Como é bom ler estes seus causos tão bem contados, meu amigo! E concordo, tristemente, que hoje em dia a maioria dos mais jovens não gosta de ouvir as histórias que os mais velhos contam, seja na cidade, seja no campo. Admirável a sua mãe pelo jeito e sabedoria pra lidar com os "dois potros xucros", hehehe. Um beijo carinhoso na testa. :)


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03/01/2010 18:30 - Dante Marcucci
Belas lembranças, como sempre...de fato,as mães tinham sempre a forma certa de convencer os filhos. Umas com psicologia e outras com "pauladas". Tiveste sorte com dona Hilda e eu com a minha saudosa mãe. Um abraço de Ano Novo.


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03/01/2010 15:11 -
Pois é, aí está a sabedoria da mãe...tenho certeza de que tal sabedoria gerou belos frutos! Linda história!


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02/01/2010 07:54 - IVAN CORRÊA
Bom dia amigo. A sua história em nada é menos especial que a minha. Tudo que eu relatei lá é a mais pura verdade. Sou mais de versos, quando pendo para a prosa em enrolo todo, logo tudo fica parecendo um verso livre. Mas, que bom que gostou, escrevo todos os dias, tenho dois livrinhos de poesias publicados. Voltarei para ler outros. Sua mãe era esperta, hein....


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01/01/2010 01:13 - Giustina
É, Joel, os tempos mudaram! Mas tua mãe, já naquela época era uma "psicóloga" de mão cheia. E eu acredito na psicologia nos dias de hoje. Funciona mais que na "marra", porque esta sim é que não funciona. Tenho, no meu cantinho, uma Oração. Desejo-te PAZ e LUZ no ano que está iniciando e em todos os anos vindouros. Grande abraço.


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31/12/2009 18:18 - Helena da Rosa
Oi, Joel! Passo bem ligeiro(estou sem net), para desejar-te FELIZ ANO NOVO. Que nos reencontremos no 2010, com muita inspiração. Adoro você, seu modo terno de ser, de escrever, não poderia deixar de te dar um abraço. Paz, saúde e amor, à vc e seus familiares. bjs helena


30/12/2009 08:11 - Jane Freitas [não autenticado]
Aplausos Poeta! Meus pais nos davam tarefas e as executávamos.Hoje, o que fazíamos é dado como exploração de trabalho infantil e a molecada cresce sem senso de responsabilidade ou então se ocupam de vandalismos. Qto a conversa envolvente de Dona Hilda... bem... descobri agora de quem tu herdaste este dom,rs.Abraços Poeta,é sempre bom te ouvir,sim, pois seus textos são imensamente sonoros.