A QUARESMEIRA.

Desde cedo o gosto pelas coisas da natureza me acompanha. Ainda menina, adorava dedicar algumas de minhas horas à contemplação do cair da chuva, do pôr do sol, do nascer da lua, do correr dos rios, das marés inconstantes e dos jardins floridos.

Adoro plantas. Todas. E destaco, em especial, as árvores. Quando floridas então, são de uma beleza espetacular. Lamento somente, não haver de minha parte, uma correspondência de igual tamanho entre cuidar e amar. Meus cuidados para com as plantas limitam-se a rega e adubação, vez ou outra. Infelizmente. Creio que esse meu amor pelas coisas da terra tenha sido herdado dos meus pais. Muito embora, os motivos tenham sido diferentes. O amor dos meus pais pela terra teve início por uma questão também de subsistência. Eles plantavam e a terra os retornava alimentos.

Meu amor pela terra, pelas plantas, traduz-se de outro modo. Minhas plantas alimentam-me a alma. Fazem os dias coloridos, alegres e bonitos. Nossa relação possui um “quê” de leveza e contentamento. Sobrevivemos à falta uma da outra, no entanto, a convivência nos é muito bem-vinda.

Bem, cá, onde atualmente, me encontro, no Centro-Oeste, o cerrado prevalece, no entanto, posso desfrutar durante todo o ano, de um desfile de cores e formosuras quando dependendo da época, temos os lindos Ipês amarelos, brancos, rosas ou roxos no contraste com a terra seca e marrom... na sequência, as exuberantes Flamboyants, as Sibipirunas com seus cachos amarelos e as Quaresmeiras que vão do tom rosado ao roxo escuro...lindas.

Pois bem, essa foi a árvore escolhida por mim para enfeitar o jardim da minha casa ao lado da minha janela do quarto. A Quaresmeira. Já de posse da muda, eu mesma, com habilidades até então, desconhecidas para o plantio, posicionei minha mudinha ao lado de minha janela. E fui acompanhando seu crescimento na expectativa da primeira florada. Não demorou muito para crescer. Mas nada de flores. Além do mais, suas folhas possuem uma substância adesiva, como se fosse um velcro, e grudavam e manchavam o chão de cor clara, quando caíam aos montes, inclusive para o lado do vizinho.

Armei-me de coragem e cometi um crime ao meio ambiente e aos meus princípios; mandei podá-la. Afinal, ao adquiri-la, a intenção havia sido, principalmente, a de vê-la florida e ela faltou-me com o esperado. E depois da poda, lá, permanecia, imóvel, sempre igual, sem flores, sem encantos, sem sombras, sem nada...apenas, ali, continuava feito um poste. Quando a olhava, lembrava-me apenas do meu ato de maldade atrofiando seus galhos e impedindo que chegassem às alturas como permitiria a bondosa mãe natureza.

Até que, por duas vezes seguidas, o responsável pela poda não pôde comparecer. E nesse meio tempo, minha amada quaresmeira deu uma bela crescida e provando que não guardara mágoa pelo fato de ter sido podada por tanto tempo, ousou num gesto de insistência e coragem, adentrar seus galhos por entre as grades da minha janela e ofertou-me um lindo buquê de flores rosas e frondosas. Agradeci e tomada de emoção e arrependimento pedi perdão por tê-la privado de crescer e florescer.

Hoje, não há mais poda. Apesar de suas raízes fincadas ao chão, seus galhos crescem e se espalham em todas as direções. E suas flores surgem cada vez mais...E, não é só! Além da sombra refrescante no sol do meio-dia, abriga os pequenos pássaros da chuva, esconde e protege ninhos em meio a seus galhos que dançam graciosamente no embalo dos ventos.

Desperto todas as manhãs com cantos, sombra, uma leve brisa e com lindos buques cor de rosa, oferecidos pela minha quaresmeira, por entre as grades da minha janela...

Elenice Bastos.