___________Bolo e Casamento

 
O assunto nem era casamento, mas de repente virou. E é esquisito como a gente vai criando analogias e vendo o quanto uma coisa pode ter a ver com outra. Quando dei por mim, estava afirmando à Ana:

— Pois é, casamento é igual a fazer bolo. Um dia você faz e sai aquele espetáculo, fofinho, gostoso, bem assadinho; noutro, sai aquele desastre, solado,  grudento e encruado.

Há sim, quem diga: O bolo não prestou pra nada, ficou solado, e nem o Totó vai conseguir comer — isso num tempo em que era comum destinar-se ao cachorro o que ficava ruim. O intragável sobrava sempre para o pobre coitado. Hoje, felizmente, o dogue já não é mais o cão expiatório da história, sendo obrigado a comer o que os serumanos não querem.

Pois bem, o bolo fica ruim, e aí lata do lixo! Para um bolo com falta de fermento, ou receita desandada é facinho jogar fora, ou enterrar naquele canteirinho do fundo do quintal onde se faz uma bela compostagem com lixo orgânico... No caso do casamento, o que fazer? Jogar na lata de lixo quando não tá legal? Depende, depende demais de certas virtudes, a paciência e o discernimento. Não dá pra se esperar que o casamento seja todos os dias, a vida inteira, um bolo fofo e delicioso. Há dias em que ele vai amanhecer, ou anoitecer solado, endurecido, intragável mesmo.

Mar de rosas não existe em nenhuma relação (será que existe?). Bolos  somente fofos, também não. Sempre haverá aquele momento em que os espinhos sobrevirão, ou os bolos  apresentarão consistência de difícil deglutição — e se deglutidos causarão, certamente, má digestão que antiácido nenhum dará jeito.

As relações exigem maturidade. Não se pode ao primeiro sinal vermelho atirá-las ao lixo e sair procurando outras. Mesmo porque, só mudarão de perfil e  endereço e, em breve,  trarão à mesa — no café da manhã ou no chá da tarde, o primeiro bolo solado. Então o que será diferente? Nada, apenas a certeza de que bolos desagradáveis ao paladar existem sempre e em qualquer lugar.

O que fazer, quando o bolo gruda, não assa direito, ou não faz boa figura no centro da mesa. Nada. Só esperar pelo dia de bolo fofo, pois ele há de acontecer. Neste dia, o próprio dia apontará boas perspectivas. Tudo ficará mais leve, mais harmonioso. É hora de tirar da caixa o aparelho de café novo, trocar a toalha da mesa, enfeitar com flores do campo e chamar o par (ou quem quer que seja) para festejar.

Sim, eis o segredo: festejar bastante os dias de bolo fofo, porque de repente o tempo pode fechar e nada garantirá que a temperatura permaneça favorável: dizem que os bons fornos têm seu papel nos bons assados, mas a temperatura ambiente também é fundamental para que a receita seja sucesso. Não duvide disso.

E se vierem dias de bolos solados apenas? Esperou, insistiu, persistiu e nada! Tá lá o bolinho sempre raquítico, nada apetecível? Muitas vezes, a coisa vai ficando tão ruim que já apresenta fungos e bolores. Aí não tem jeito, não! Nesse caso, só receita nova. E mesmo que a receita nova apresente uma solinha de vez em quando, aguenta  firme. É assim mesmo! Um soladinho aqui e ali, mas sempre lembrando que o bolo fofo virá pra recompensar tudo.