O vídeo cassete do Armando
Armando não foi um homem ligado em tecnologias, mas desde muito novo teve uma paixão por cinema. Não era bem cinema, porque isso era raro no interior, mas os filmes que conseguiu, sempre assistiu por casa mesmo. Era um menino ainda quando em 1976 leu em uma revista de tecnologia sobre o fantástico mundo Vídeo Cassette Recorder. Comprar um aparelho de vídeo passou a ser uma meta de vida. Demorou dez anos para conseguir. Estava com quase 20 anos, quando depois de economizar por quase seis meses conseguiu comprar um pujante aparelho de VTR com tecnologia S-VHS.
Tinha uma locadora na sua cidade. Não era nada extraordinário, mas o suficiente para ele dar uso ao seu moderno e pujante vídeo cassete. Nos finais de semana, reunia os amigos, alugava quatro ou cinco filmes, naquela modalidade pega na sexta e entrega na segunda-feira, e transformava sua casa em uma verdadeira sala de cinema.
Em 1990 ele e Ritinha, uma amiga do trabalho, fizeram 65 quilômetros para ir numa locadora para alugar o Clube dos Cinco. Depois mais 65 para entregar. O filme nem era tão bom assim, mas ela queria assistir e já não estava mais em cartaz no cinemaque tinha aberto recentemente numa cidade mais próxima. Deu certo, por causa daquele filme engataram um namoro.
Casou-se com Ritinha em 1993. Levou o DVD consigo. Foi morar numa casa nos fundos de onde morava o sogro. Naquele ano tentou entrar para faculdade, passou no vestibular em segundo lugar, mas as condições financeiras não lhe permitiram começar o sonhado curso de engenharia. Se contentou como mestre de obras.
Logo Ritinha engravidou. Em 1998 estava em casa, sentando em frente a televisão, com a filha dormindo em seu colo e lembra-se de estar assistindo Velocidade Máxima quando no meio do filme o aparelho parou de funcionar.
Ele até levou o aparelho para o Batista, homem especializado em consertar o que estragasse na sua casa, desde máquina de lavar até relógio. Batista olhou, abriu, testou e decretou que o ciclo daquele aparelho estava terminado.
Armando não se desfez do aparelho de VHS assim tão rapidamente. Ele deixou ele lá na estante da casa, no mesmo lugar onde esteve por muito anos, não para uso, mas para bonito. Ele até foi numa loja de eletro para comprar um novíssimo aparelho de DVD que era a novidade naquele final do anos 90, mas não conseguiu. Estava caro demais.
A filha cresceu. Em 2004 quando ela fez 10 anos ele deu um DVD de presente para ela. A verdade é que o aparelho era mais para ele do que para ela. No dia seguinte ao aniversário ele correu para locadora e voltou com toda trajetória do Indiana Jones. Três filmes. Assistiu todos em sequência. Não entendia como um filme podia caber naquele disquinho tão pequeno. Descobriu também que comprar discos de DVD eram bem mais fácil do que as fitas VHS e então ele montou em casa uma verdadeira midiateca.
O seu relacionamento durou por mais de dez anos. Filha saiu de casa aos 18. Se formou em odontologia casou-se, teve um filho e só então ela convenceu o Armando a trocar de aparelho televisor e comprar uma Smart TV e fazer uma assinatura do Netflix. Ele também mandou instalar em casa TV por assinatura. Agora eram 210 canais de televisão e mais de 100 mil títulos de filmes e séries que ele tinha na palma da mão.
Sempre que o tempo lhe permite ele corre para frente da televisão e assiste os filmes mais legais que já viu, com os efeitos mais perfeitos do que a própria realidade em uma qualidade de imagem que ele jamais imaginou ver. Aquele é o seu mundo mágico.
Encantou-se com as tais séries. Num período de férias sentou-se em frente a televisão e assistiu todas as temporadas de série Breaking Bad. Aquilo sim é uma grande produção, ele pensou.
No final de ano Armando recebeu a visita do irmão mais novo e sentado ali no sofá lembrava-se das aventuras que precisou viver para ver um filme. Dos quatro ou cinco anos que precisou esperar até um filme sair em VHS e chegar naquele fim de mundo e das vezes em que teve que pagar o aluguel dobrado só para ter a reserva da fita que queria assistir. Lembrou-se das vezes em que precisou levar o batido aparelho de VHS para que seu Batista limpasse o cabeçote e do tempo que perdia tendo que rebobinar a fita para entregar na locadora.
Lembrou-se de todas essas coisas e sentiu vontade de bater no sobrinho de dez anos que com o controle na mão passava de título para titulo do Netflix resmungando: “Que porcaria, não tem nada de bom para gente assistir nessa tevê.”