"VELHO SILA"

Ele exorcizava as trevas da madrugada com ruídos discretos, ao preparar seu chimarrão e assar, na chapa do fogão de lenha, o seu churrasquinho matinal (uma tirinha de carne bovina, que preferia bem passadinha, e que nos brindava, bem cedo, com um cheirinho delicioso). Depois, ainda escuro, saía assoviando, rumo ao seu trabalho. Ele nos incutia confiança, ao nos proteger dos vendavais tão frequentes em algumas áreas do Rio Grande do Sul, em certas épocas do ano.

Certa vez, acabáramos de mudar de um município para outro, e nossa casa ainda não estava concluída. O telhado não recebera ainda a necessária amarração. No meio da noite, um vendaval de mais de cem quilômetros por hora, seguido de forte chuva, colheu-nos, pondo abaixo todo o telhado. O quarto do casal, onde também dormia a então caçula, Alcione (1960 - 1998), era o único cômodo onde a forração de madeira do teto havia sido iniciada. Rapidamente, ele nos conduziu a todos para aquele cômodo, pondo-nos sob a pequena parte já forrada da construção, empurrou o berço da caçula para debaixo da cama e cobriu minha mãe, parturiente recente, com um agasalho que lá no Sul chamamos poncho. Assim, garantiu a segurança de todos contra as telhas que despencavam do teto, enchendo a casa de escombros.

Todos os dias, com passos firmes e fortes, seguia à mesma hora para o trabalho, cuja jornada não marcava no relógio, mas no nascer e pôr do sol. Creio que jamais tirou férias. Nunca o vi em casa sem fazer nada. Quando em algum domingo tirava folga, sempre tinha algo para construir ou consertar. Seu olhar profundo e decisivo expressava, de maneira inequívoca, o que lhe ia no interior. Ele não batia em seus filhos. Mas jamais duvidamos de que desobedecer às suas ordens, às suas orientações, aos seus conselhos poderia nos trazer sérias consequências. Seus exemplos e seus ensinamentos nos mostravam o caminho correto a seguir. E isso fez com que todos nós, seus filhos, nos tornássemos pessoas de bem, que vivem do próprio trabalho e sabem respeitar e ser solidários e tolerantes com os outros.

Apesar da vida atarefada que levava, encontrava disposição para, em datas especiais, como Natal e Ano Novo, organizar uma festinha - para a qual convidava a vizinhança -, ocasiões em que exibia seus dotes de bom violonista, acordeonista e cantor.

É claro que falo de meu pai, Sillo Pereira de Oliveira, o "velho Sila". Nossa infância com ele foi uma festa! E hoje, ao se completarem trinta anos de saudades, quero, em nome de todos os seus filhos, reverenciar sua memória e dizer que sua ausência é apenas física. Porque sua essência continua em nós, como legado, a nos conduzir no caminho da justiça.

Nota: crônica escrita em 09/03/2017, nos trinta anos de falecimento de meu pai.

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 18/02/2018
Reeditado em 18/02/2018
Código do texto: T6257303
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