DESPEDIDA

"Na derradeira hora sempre achamos que merecíamos mais”

De relance ele mais uma vez olha para o teto do quarto, afinal seu estado não permitia, nem que quisesse, olhar para outra direção. Pensa em tudo que fez e tudo que deixou de fazer. Agora vive seus últimos momentos que parecem voar desde a descoberta da doença que arrebata o que lhe resta da vida.

Não era um homem velho, não tinha hábitos desregrados de vida. Era um daqueles que todos acreditavam viveria por longos e longos anos. Veria seus netos crescerem e curtiria a sua velhice de forma saudável e feliz. Morreria de velho ,como dizem.

Foi uma daquelas doenças que parecem surgir do nada, como se por acaso, invadem-nos o corpo, como se seu fosse, consumindo-o aos poucos, tomando-nos um controle que de fato nunca o tivemos.

É assim nossa vida – pensou.

Somos os seus senhores até o momento em que ela resolve tomar-nos a direção. Apossa-se de suas rédeas, apropria-se, chegando ao momento em que pouca coisa podemos fazer a não ser esperar, como o barco sem leme em meio a tempestade que apenas aguarda confuso que o fim chegue logo.

Lembrou dos filhos, da esposa. Percebeu que vivia uma vida boa. Não tinha tudo que gostaria de ter , mas tudo que precisava com uma certa folga. Não estava arrependido de nada do que fez em sua vida, poderia apenas de ter feito tudo a mais tempo, que desta forma teria feito mais daquilo que apreciou fazer. Acreditava que tinha optado pelas escolhas certas na vida e que agora mais do que antes, na estabilidade dos anos, encontrava-se no caminho certo

Se pudesse viver mais alguns anos, poucos que fossem, não seria de forma alguma ruim. A vida valia a pena. Cada segundo valia a pena. Concluiu que está gana de viver deveria estar presente em todos os nossos dias e que era um erro só dela valermo-nos quando estivéssemos por um fio escapando-nos por entre as mãos.

De quando em quando entrava porta a dentro um parente querido, um amigo distante que a tempos não via, demonstrava-se, por mais sutil que parecesse, que a situação já emoldurava-se como grave. Os distantes se aproximavam.

Observava-os com olhar de tristeza e reparava um certo ritual de despedida silencioso, um sorriso forçado nas caras entristecidas e um disfarce constrangido que denunciava a situação crítica em que se encontrava. O silêncio era quebrado com frases curtas e desconectas, pois o silencio tem, entre suas virtudes, a capacidade de fazer as pessoas falarem mesmo quando não querem.

Intensidade e entusiasmo na vida, isso mesmo, se Deus lhe permitisse mais alguns poucos anos, um mínimo que ainda fosse, viveria com mais entusiasmo e intensidade. Faria tudo mais rápido, faria mais coisas. Ora, afinal, ele agora sabia os caminhos que deveria seguir, e de quais percalços esquivar-se, já tinha a experiência necessária para errar menos.

Mas assim são os discursos de todos os que morrem quando se encontram às vésperas de morrer. Resolvem do derradeiro momento em diante fazer, pois, tudo aquilo que em toda a vida não fizeram. Assim também são as crianças que se arrependem constantemente. Assim somos todos nós, já o sabemos.

Mais algumas escassas horas e a pouca vida que ainda resistia extingue-se. Jaz um corpo onde antes mantinha-se acesa mais do que nunca a vontade de viver.