Vai Sobrar Comida

Tudo preparado. A residência um brinco de arrumada. A mesa nos trinques. Anfitriões impecáveis. Esse jantar vai bombar diz a vovó hippie aos oitenta anos, cadeira de balanço prá cá e prá lá, tentando, em vão, pegar distraído o rabo do Totó. Toca a campainha; silêncio total. Até a lagartixa perde o foco... e o mosquito. O pai dirige-se aprumado à porta, com a filha e Totó a segui-lo. Lenta... mente abre-a. Espanto!... Olhar de espanto!... Olha para a filha e volta a olhar para quem está à sua frente. Mas, mas, mas é uma moça! Consegue, atônito, balbuciar...

A mocinha, loirinha, olhos azuis, aparelho rosinha nos dentes segurando um buquê de amarilis não entende nada; fica paralisada, marmorizada. A filha diz ao pai, claro que é uma moça pai! De vestidinho queria que fosse um moço! Ouve-se um baque no chão da sala. Enfarto agudo do miocárdio. "Mórréu!... em capitinguelês." Totó vendo o ocorrido, apavorado, solta um au, au e vai ao mundo, cruza a rua e... azarado, busão achata-lhe a vida... Vovó intrigada com o que está ocorrendo aumenta o volume do aparelho para surdez, tenta levantar sozinha da cadeira de balanço, que balança-lhe a vida e já era, ao bater o porongo na mesa.

A mãe que a essa altura já fora ao encontro da filha e do finado, vê a moça à porta, que lhe sorri e puxa o moço pela mão, entrega-lhe o buquê de flores e diz, vai!, entrega para tua namorada. Ele é muito tímido, por isso estava escondido; tive que vir junto senão ele ia furar o jantar. Bom, tô indo, está entregue, meu namorado está no carro, esperando; também vamos jantar. Bom jantar para vocês. Pena! que vai sobrar comida...

Moral: - "nem sempre o que vemos é o real, mas se for, relaxe e deixe que gozem...".