Nada irreal existe

Aos dezessete anos temos a música em nossos corações e uma flor em cada mão, pronto para nos destacar.

Aos dezessete anos formam-se os sonhos eternos e os desejos inconfessos, os quais não nos desligamos jamais.

Aos dezessete anos adquirimos nossos sessenta anos seguintes, mesmo que a vida dure somente vinte anos e aceitemos, resignados, aquilo que ela nos oferece, sem perdão.

Aos dezessete anos assumimos uma maturidade, sem ter a metade dela, como uma ilusão tão intensa quanto o brilho noturno das luzes nos postes do calçadão de Copacabana.

Aos dezessete anos nos aumentamos nas tardes cinzentas e não há como fugir do amanhã que vem a cada dia que se esvai.

Aos dezessete anos eu não sabia que havia quem buscasse o pão de cada dia protegendo vidas, famílias e eternidades dos mais diversos tipos de perigos.

Só que eu não estava consciente disso tudo naquela época.

Os amigos eram meus modelos de comparação. Os irmãos eram os conselheiros de plantão. Os amores eram árvores nas contínuas caminhadas. O vento sentia no guidon de uma bicicleta no vazio de uma praça. Gostava da música mais gostosa, do cheiro forte do pão quente nos balaios e do carinho sempre presente nas pequenas atitudes dos entes queridos: as pescarias com meu pai, o virado de frango da mama, o primeiro danone de morango no mercado de Campinas das mãos de minha irmã mais velha, são inesquecíveis.

Até o acordar de madrugada me era prazeroso porque se pertencia a um contexto de trabalho e responsabilidade despretensiosa: levar pão e leite para as casas.

O primeiro ônibus interurbano para ir ao dentista. Anos depois, soube de seu suicídio. Quais pensamentos passaram por aquela mente transtornada, ninguém sabe. Caiu no esquecimento. As idas de ônibus para a capital com as irmãs. Os livros escolares que traziam o prazer inconteste das boas leituras, estas sim são lembranças que insisto em ter.

O que se via eram sinais de inocência juvenil aos dezessete anos, num afã de ser alguém em busca de uma perfeição crescente.

O solo de clarineta ainda é audível. O mestre toca bem, mas é tímido, corriqueiro quase sempre. No seu auge, lembro-me bem de sua melancólica performance, uma melodia terna, delicadamente trazendo minha criança interior para interagir no ambiente externo do meu ser. Adeus timidez!

Todos meus escritos eram ingênuos. Fui fanático em cartografia, cuja geografia voltava-se aos desenhos de continentes, com seus rios , lagos e montanhas imaginárias, rodeados por litorais de fortes reentrâncias nas terras emersas. Fui precursor do Google Earlth, sem saber, e quanta caneta e papel foram gastos nas ilhas e seus acidentes geográficos.

Virei então minhas atenções para as coleções de fascículos de enciclopédias, construídas na busca insana por conhecimento volátil, da era pré-pc ou internet.

Das muitas lembranças dos dezessete anos ficou a esperança frequente de ser alguém que seguisse os passos do pai, da mãe, dos irmãos e dos amigos. Ainda hoje penso se ideias próprias realmente existem. Quem as tem aos dezessete anos?

Uma coisa, porém, tenho certeza: juro que eu morreria por esse cara de dezessete anos que eu conheci em mim e morrendo, renasceria quantas vezes fosse preciso para ser de novo e igualzinho a ele em todas as vezes. Reflito o que leva alguém mais velho a se apaixonar por ele mesmo, quando trinta anos mais jovem? Haverá psicoterapia que explique esta vocação indelével de ser feliz nas pequenas, nas inusitadas e nas inconsequentes lembranças dos dezessete anos?

Estes pilares sustentaram as construções que ergo hoje comigo e com todos. Nada irreal existe porque toda ilusão é apenas algo que passa ou algo que não é. O que permanece é nossa consciência de que nós vamos para um fim e ao mesmo tempo, nós ficamos pelo caminho. Deus colocou a eternidade em nossos corações e eu trocaria a eternidade por nada neste mundo!