PEQUENOS EPISÓDIOS
PEQUENOS EPISÓDIOS
Acontecem fatos rapidinhos e marcantes. Quem não se lembra de um papo rápido em um elevador com uma pessoa que você nunca mais viu? O cara que subiu para o ônibus fez um discurso e pediu ajuda para a mãe doente, o amigo que tropeçou na hora de te cumprimentar? Muitas vezes me pego relembrando esses fatos fugazes que povoam minhas lembranças e marcam instantes que, sem nossas lembranças se perderiam no tempo. Chama-me atenção como nossas experiências, por menores que sejam, ficam permanentemente gravadas em nossa memória. São os flashes da vida. Fatos corriqueiros, pequenos momentos, pessoas que tivemos contato fortuito. Mas que não esquecemos jamais. Como abaixo.
Eu com três ou quatro anos tomando banho e minha limpando minhas orelhas com um paninho com sabonete. Como eu berrava!
O Dr. Derosse, advogado renomado, era amigo de nossa família e sempre visitava nossa casa no Forte Itaipu. Foi companheiro de pescaria do meu pai, padrinho do meu irmão Henrique. Chegava em um automóvel Nash, bordô, com uma alegria contagiante, sorriso largo. Tomava um café, que minha avó fazia na hora, batia um papo, e ia embora para Santos, uma longínqua cidade para um moleque de dois ou três anos. Minha mãe saia do banheiro comigo no colo enrolado em uma toalha e Derosse adorava mexer comigo, fazer cócegas, me fazendo berrar de tanto rir.
O soldado baleado sendo carregado por quatro companheiros descendo a ladeira no Forte Itaipu. Acidente.
Viagens maravilhosas em trem leito da estação da Luz em São Paulo até Santa Maria e Cruz Alta, ambas no Rio Grande do Sul. Três dias de puro encantamento para um garoto de quatro ou cinco anos, escutando a Maria Fumaça no seu scheleg scheleg e o cheiro de carvão queimado (cheiro de trem, alguém sabe o que é isso?) quando se abria a janela. O ponto alto dos dias era almoçar e jantar no vagão restaurante, com a paisagem passando na janela ao lado.
Nossa família chegando a Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. Desembarcamos do trem leito em Cruz Alta e seguimos viagem para uma cidade com barro vermelho no chão que, aos poucos e após quatro anos, aprendemos a amar.
Volta á Praia Grande quatro anos depois, Meus avós estranhando nosso sotaque gaúcho. Meu pai pagou um carro de praça e viemos por uma das estradas mais modernas do mundo: a Via Anchieta. Lembro das placas em preto e branco: “Não pare na pista”, “Obedeça a Sinalização”.
Meus avós moravam a cerca de quinhentos metros da praia e mesmo assim escutava- se, no silêncio da noite, o barulho do mar. O reencontro com o mar marcou minha vida. Amo o mar.
Como nos mudamos no meio do ano, frequentei o terceiro ano com ouvinte numa escola da Praia Grande, que, na época era um distrito de São Vicente. Uma sala só com os quatro anos primários e a professora avisava para que ano era a lição. Briguei com meus pais até eles permitirem eu ir descalço para a escola, igual aos outros meninos.
Por hoje é só.
Paulo Miorim