Confissões de um político brasileiro

Sou um legítimo representante da sociedade brasileira. O típico político que qualquer um reconheceria por aí. Só costumo aparecer no meu colegiado na época das eleições, sabe como é, doutor ? Tenho que garantir a longevidade das minhas atividades...Pixo meu nome nos muros como estratégia de campanha - fora das eleições, para que, quando for o tempo, o povo se lembre de mim logo de cara. Sei que não sou exatamente um parlamentar que deveria ostentar uma auréola sobre minha cabeça....vá lá...admito ter meus pecadilhos - mas quem não os tem ? Um precatoriozinho aqui, uma improbidadezinha administrativa ali, umas duas ou três propinas para "facilidades" acolá, nada de muito grave não. Faço parte de um grupo de deputados que têm um, digamos, "acordo de cavalheiros". Temos por uma espécie de "manual de diretrizes de um código de honra" meio que às avessas, com o seguinte entendimento: "Não furtarás em grande escala o erário público". Até por duas razões bem simples e de fácil entendimento: A primeira é a de que a apropriação não plausível dos recursos em larga escala acaba inviabilizando muitos dos programas clientelistas do governo - e esta é até uma atitude nobre de nossa parte. A gente não mexe com o governo, o governo não nos importuna. A outra é a de que, grandes desvios atraem facilmente as atenções desta imprensa que insiste a nos vigiar quase que 24h por dia - é quase um Big Brother da vida real, assim não dá para arriscar, doutor ! Embora saibamos que estas investigações feitas, estas CPI´s e inquéritos instaurados sejam todas "para inglês ver", ninguém quer ter seu rosto e suas falcatruas escancaradas via satélite para todo o Brasil, nas capas dos jornais de segunda-feira. Mas é como disse outro dia um nobre colega de Pernambuco: "Isso tudo é como transporte de porcos: Primeiro têm-se aqueles cinco minutos de algazarra, porém depois tudo se acomoda e ficamos conversados". E é isso mesmo, no final das contas, doutor. Frente aos piores, como aquele senador alagoano, podemos até nos considerarmos cordeirinhos. Não chamamos a atenção, fazemos nossa "movimentação", na surdina, e ninguém precisa ficar famoso, só levamos nossa vidinha sem atrapalhar ninguém. Como é que eu levaria aquele programa social para a minha cidade, não fosse a propina? Minha emenda nem seria apreciada, veja só! Seria preterida por a daquele exmo. senador que ofereceu valores vultosos - e o pior - ele ainda sairia como o "que faz, o que está certo" aos olhos do povo, que só vê o fim, não os meios usados, ao passo que eu seria o fracassado, o que não faz nada, não traz melhorias...Seria minha morte prematura na carreira política ! Ali não se faz nada, caso não entre no "jogo". Todo mundo sabe de alguma coisa, um do outro - daí que muitos nem chegam a ser julgados propriamente. Até tiramos proveito das estocadas da imprensa para conosco. "Se lhe dão um limão, faça uma limonada", é o que dizemos. Usamos o próprio escândalo "da moda" para acobertarmos os anteriores. Aí ninguém mais se lembra de precatórios, de escândalo dos correios, ambulâncias, ranários etc, etc, etc...Virão outros, e o nobre presidente do senado, que adentra os lares sintonizados no noticiário político, sorrirá, na penumbra de seu gabinete, fumando seu charuto cubano (até que aqueles socialistas capricharam em alguma coisa!) tendo por companhia seu whisky escocês legítimo devidamente patrocinado pelos cofres públicos, juntamente com seus asseclas, assistindo de camarote o ruir de todo este circo armado. Hehehe...Perdoe-me pelo riso incontido, foi mais forte que eu...

O quê? Se eu durmo com a consciência tranqüila à noite? Mas é claro ! Que pergunta...! Não faço nada demais, é minha resposta frente à tantas injustiças durante minha vida !

Sempre estudei em escola pública, para o senhor ter idéia. Faltavam professores, o lanche era de qualidade duvidosa, todo mundo tinha "aprovação automática", sem falar nas greves, a cada semestre...Lembro que ficava observando na tevê aquele senhor bonachão de terno engomado, ralas madeixas cuidadosamente penteadas para trás, vir a público e dizer que tinha investido "zilhões na construção de escolas", que fazia e acontecia, mas que na prática, nada via de bom... Daquele dia em diante, tive a plena certeza de que política não era outra coisa senão "Marketing Vazio"...Sabe aquela estória de "Parece, mas não é!"? Então...o camarada parecia que era a excelência da administração pública, um ícone, benchmarking para seus pares, um guru, mas, que na realidade....tsc, tsc, tsc...Me sentia roubado nos meus direitos. Decidi ir atrás, e como um vingador que almeja ir à forra, estudei por conta própria, me afundei nos princípios da política, filiei-me e me candidatei, e com o número mínimo de votos, consagrei-me vereador, e depois, deputado federal. As artimanhas de que disponho são meu deleite, minhas jogadas, um ícone à esperteza...Sinto-me um ás das maracutaias, pois tudo fica na surdina, entende? Para mim, tudo isso é minha redenção pelas humilhações sofridas, pelo descaso social a que fui submetido. Mas, agora que estou "do lado de cá do garfo e da faca", quero mais é saborear este delicioso queijo recheado de verbas públicas (risos)..Achava que era papo furado o que o PC Farias disse, quando o presidente collorido chegou lá: "Meu amigo, o poder corrompeu a todos nós !", e como vi que isso é uma grande verdade....A sociedade nos critica e nos aponta, como se fôssemos os únicos que "metem a mão", que querem se dar bem neste país! Pois muitos dos que nos criticam, também já tiveram seu momento "Gerson" em algum momento da vida, não tem "esse" que seja digno de atirar pedras. Não mesmo. Não neste país em que "se dar bem, passar os outros para trás" ainda é sinal de esperteza; dar troco errado de propósito, roubar gramas da carne do açougue, prometer honrar uma dívida e fazer de conta que não se lembra mais, não declarar de forma correta o IR anual....É a retórica vazia da falta de ética ! Quer saber de uma coisa, doutor?No fim das contas, de tudo mesmo, somos todos políticos, filhos da mesma cultura, obedientes como cordeiros à lei do "vale-tudo para se dar bem", que o que vale mesmo, é o fim...e os meios? Irrelevantes, meu caro...irrelevantes ! Duvidas? Não concordas? Então veremos quem serão os eleitos nas eleições do ano que vem, aí a gente continua esta conversa... Mas para o nosso bem e espanto até, o país ainda é maior que tudo isso, apesar de tudo - e de todos nós !

Vem cá: Esta conversa é segura, ninguém irá escutar, não é mesmo?

Marcio Roque
Enviado por Marcio Roque em 26/08/2007
Reeditado em 26/08/2007
Código do texto: T625210