Entre os Ianomâmis

Tive a felicidade de poder visitar os Ianomâmis no estado de Roraima. Aproveitei a visita de um amigo que conviveu com eles por 7 anos e fui junto..

Chegamos a Boa Vista dia 10 de janeiro, no dia seguinte voamos para o alto do Rio Mucajaí,

Um aviãozinho monomotor cesna, depois de uma hora de voo sobre a mata fechada, descemos em uma pista de grama. Eu um tanto apreensivo com a fragilidade da pequena nave e com a pista tão singela.

Aterrissando, a criançada nos cercou, sem grandes curiosidades, pois estão acostumados com estes voos quinzenais.

Mulherada e até crianças aparentando ser menor de 5 anos com irmãozinho na cacunda, uma marca indígena, a criança com as pernas abertas enganchada na cintura lateralmente.

A tardinha, acompanhado das crianças fomos tomar banho no Mucajaí. Águas turvas e frias, senti saudades do banho quente da cidade.

Procurei conversar com os velhos do grupo. Achei um pajé: Perguntei o nome, o amigo que intermediava a conversa com tradução, orientou, -

- Aqui você não pode perguntar o nome diretamente a pessoa, tem que perguntar a alguém como é o nome dele, não gostam de dizer o próprio nome.

- Amigo você tem boas histórias para me contar?

- Eu tenho, como você vai me pagar?

- Com outras histórias. - Ele riu e disse que não se interessava por minhas histórias, queria dinheiro.

Na manhã seguinte ouvi um grito uuuu na porta da casa fui ver o que era, era o pajé acompanhado de um velha desnuda da parte de cima, a esposa de um chefe que queria contar histórias para mim.

Combinei com eles, através do missionário, que pagaria 10 reais por hora.

Contaram histórias do início do mundo, que todos os povos moravam debaixo de uma grande oca e um Deus em cima de todos. É houve um grande desentendimento e aí os povos se separaram. Eles vieram morar às margens do Mucajaí outras tribos às margens de outros rios e nos, os craions, fomos para muito longe.

Comecei as perguntas

- Você segurou a “Palavra de Deus” que os missionários trouxeram? - Disse que não.

- O que é “Deus” para você? - infelizmente o missionário não entendeu muito bem, mas está gravado e será enviado posteriormente.

- Quando não tinha FUNAI aqui e aparecia alguém com dor de dente, como o pajé faria para curar uma dor de dente? - Ele ficou numa sinuca, mas me enrolou.

- A vida era melhor antes do contato com os brancos?

- Sim, pois com os brancos vieram muitas doenças.

Passo a conversar com a velha índia, que disse que estava muito triste e que tinha chorado muito, pois uma netinha dela com um ano e meio morreu afogada esta semana no rio.

Na tribo, quando acontece a perda de um ente, basta um com alguma influência começar a chorar , aí chega outro chora junto, vai chegando mais, aí num instante toda a comunidade entra em transe. Ouve-se o choro a distância. Aí em algum momento alguém fala "chega de choro". E num repente param de chorar, aí começam a beber a caxiri (bebida feita de mandioca mascada pelas índias) e vira festa, mas bêbados, arrumam encrencas entre eles e pode sair brigas com muita gente com as cabeças rachadas. Aliás, são conhecidos como os índios das cabeças rachadas. Tem orgulho das cicatrizes na cabeça. Quanto mais, mais valente é considerado

Dia dois, fomos pescar com três índios eu e Marcos, o companheiro de viagem.

Subimos o rio primeiro a procura de minhoca nos barrancos, com dificuldades achamos algumas para os peixes pequenos que serviriam de isca para os grandes. Aí iscamos os peixinhos para pegar os peixões, em pouco tempo sem sinal deles minha paciência se esgotou.

A montante ou a jusante se fosse visto um pássaro grande os índios gritavam “Marachi” aí tínhamos que parar a canoa e eles tentavam flechar o pássaro . Comida para eles. Não tivemos sorte na caçada e nem na pescaria.

O Rio Mucajaí, outrora com águas cristalinas e “poluídas” de peixes, hoje turvas e contaminadas com mercúrio dos garimpeiros. Até há pouco tempo pegavam muitos peixes grandes, de 50 kg ou mais.

Colocaram redes, pesca permitida aos índios, e só foi pego um pequeno cascudo.

Voltamos paracanã, de mãos vazias, na linguagem Ianomâmi. As famílias dos três índios os aguardavam a espera da caça ou da pesca, mas aquele dia não foi do pescador e nem do caçador. Difícil vida de índio.

Nós, os brancos, fomos comer miojo. Eles coitados, ficaram na dependência de outros que talvez tenham sido felizes neste dia.

Índio não tem comida guardada, come o que caça ou pesca ou então o que coleta naquele dia. Quanto muito uma reserva de biju que se mistura no caldo da pesca ou caça quando tem ou comem puro em dia Paracanã.

Mais histórias. Aguardem.

Defranco
Enviado por Defranco em 12/02/2018
Código do texto: T6251721
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