Olho Gordo
Eram os idos anos de 1934 e o cenário, o armazém do meu avô que ficava num bairro central de Belo Horizonte. Minha vó, casada há não muito tempo, já tinha os seus nove filhos, numa escadinha que era natural para as famílias brasileiras naquela época.
Meu pai contava que eles tinham uma tal vizinha, mulher bondosa mas que não era muito bem quista no lar dos Machado não. Meus avós vendiam no armazém que ficava na frente da casa, um sabão rústico preparado lá mesmo, com todo o cuidado. Mas não era que a tal vizinha, aparecia sempre na hora que o sabão cozinhava? Quando se ouvia aquela voz da senhora se reverberando pelo quintal, tratavam de pedir um dos meninos para distrair a velha.
- Sei lá, oferece bolo, um pouco de café, ou fala que fui à venda. Quem sabe ela não vai embora?
Mas não tinha jeito, a meninada vinha em carreira, atrás da dona desde o portão até a cozinha. Cada um ia dizendo uma coisa:
- Ela foi à venda!
- Mamãe está no banho!
- Eu acho que foi à missa...
- Não vi mamãe saindo, mas ela não está dormindo!
Enquanto a meninada desfiava o rosário de mentiras, a mulher ia adentrando o sobrado.
Um pouco mais e já cruzava a cozinha que dava para o quintal. Ela ia se anunciando:
- Ô Carmelita!!! Tô entrando!!!
Procurava a minha avó na edícula que ela tinha nos fundos. Vinha alegre, com cara de bons amigos, sorrindo e abraçando a mãe do meu pai, mas com os olhos grudados na lata de preparar o sabão.
Dona Carmelita era professora, mulher educada e sem saber ser grosseira, permitia os pitacos daquela velha palpiteira enquanto ia misturando a calda grossa e borbulhante com um pedaço de pau. Ah, mas não demorava muito para a mistura desandar. Era algo incompreensível, a receita na medida, mas naquele dia ela perdia o sabão. Não tinha o que fazer. Era um Deus nos acuda!
Essa história meu pai sempre contava quando o assunto era a inveja alheia. Ele dizia que o que a tal mulher tinha, era o chamado "olho gordo" e que dependendo do que a gente estava preparando, falar antecipadamente, era como o desandar do detergente.
Ele ensinava que o silêncio é uma forma também de ser prudente.
Cláudia Machado
10/2/18