Carlos Heitor Cony



     1. Romancista inúmeras vezes premiado, jornalista desassombrado, esplêndido cronista, membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Heitor Cony morreu no dia 6 de janeiro de 2018, no Rio de Janeiro.
     2. Cony deixou uma vasta e respeitada obra literária. Toda ela produzida, com coerência e dignidade, ao longo dos seus 91 anos de vida.
     3. Escreveu mais de vinte romances. E nos principais jornais e revistas do Brasil publicou milhares de crônicas, artigos e contos. Nas últimas décadas, ocupou um espaço de destaque na "Folha de São Paulo", com crônicas abordando os mais diferentes assuntos.
     4. Conheci Cony durante a ditadura militar, idos de 1964. Eu, bacharel em Direito recém-formado e integrando o corpo de redatores de alguns jornais e rádios de Salvador, tinha minha militância política vigiada pelos sentinelas de plantão, fuzis nas mãos, prontos para atirar. Um sufoco, meu irmão.
     5. Vingava-me do regime de força lendo e divulgando as corajosas crônicas do Cony atacando os milicos, com veemência e alto estilo, garantida a publicação, sem tirar nem pôr, pelos donos do jornal "Correio da Manhã", de saudosa memória, sob o comando de dona Niomar Moniz Sodré Bittencourt (1916-2003).
     6. Eram crônicas duras, contestadoras e às vezes demolidoras. Mas todas de elevado estilo literário e de profundo conteúdo político. O certo é que, por causa delas, Carlos Heitor Cony foi parar seis vezes no xilindró. As agruras do cárcere não o fizeram desistir de combater a ditadura.
     7. Estarei mentindo se disser que li todos os seus romances. Cronista incipiente, ligava-me - querendo aprender - nas suas crônicas, hoje, quase todas reunidas em livros, inclusive as que combateram a ditadura, in "O Ato e o Fato". Vale a pena lê-las.
     8. Um dos seus romances, porque, confesso, mexeu muito comigo, tem a minha preferência. Não me refiro ao "Quase memória", considerado o seu melhor livro.
     Não. Refiro-me ao belíssimo romance "Informação ao Crucificado", que li muitas veszes, sempre com alegria e um imenso prazer.
     9. Abro aqui um parêntese. Já contei, que num determinado momento de minha vida, eu quis ser um frade franciscano. Estudei em seminários seráficos e frequentei sacristias de catedrais e de capelinhas modestas como ajundante de bispos e de padres humildes de paróquias anônimas. Mas não deu. Um dia, tive que deixar o seminário. Fecho o parêntese.
     10. "Informação ao Crucificado", segundo a crítica, é um romance autobiográfico. Lê-se na sua contra capa o seguinte: ..."o grande drama interior de um rapaz que abandona conscientemente o equilíbrio de vida sacerdotal para vir buscar, nos caminhos e descaminhos do século, a possibilidade de um diálogo mais difícil, mas talvez mais profundo, com seu Deus".
     11. O rapaz é Carlos Heitor Cony, contando como e por que ingressou e deixou o seminário, pouco antes de receber a tonsura dos presbíteros. Linda, franca e tocante é a sua confissão.
     12. As dúvidas, profundas e martirizantes, que fizeram o Cony se afastar do seminário, com certeza, não foram as mesmas que me tiraram dos claustros seráficos. Diria, que algumas me pareceram semelhantes.
     13.  Saí, porque chegara à mesma conclusão do Cony, ou seja, a de que "um fraco que se deixa ordenar padre, chega a ser um patife".
     14. Saí sem brigar com Deus. Ao contrario do Cony que, fechando o seu livro, diz: "E eis que vos dou a informação: Deus acabou".
     15. Mas, até onde pude observar, em Cony, "a marca do Cristo ficou indelével...", opinião do mestre Tristão de Ataíde (1893-1983), comentando "Informação ao Crucificado".
     16. Seus escritos, mesmo os mais tíbios, não me fazem colocá-lo entre os agnósticos ou ateus, irremediavelmente zangados com Deus.      Ah, se todos os sem fé fossem como Carlos Heitor Cony; que nasceu no dia 14 de maio de 1926 (mês de Maria) em Lins de Vasconcelos, subúrbio da Cidade Maravilhosa.  

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 08/02/2018
Reeditado em 05/11/2020
Código do texto: T6248446
Classificação de conteúdo: seguro