LEMBRANÇAS DO VENTO
Dizem que uma pessoa não se banha duas vezes nas mesmas águas de um rio. A mudança é constante. A Brigitte Bardot cercada de gatos e cachorros infelizmente não é a mesma dos meus tempos de jovem. A escola de minha cidade não é a mesma em que outrora voejavam os hábitos negros das freiras, santas freiras que educaram tantas gerações de moleques.
A única coisa que para mim permanece constante é o vento. Estranho, não? Por que o vento? Porque o vento me provoca sensações associadas a momentos de bem-estar. Traz do passado momentos de intensa liberdade. E também porque é poético formar frases com a figura do vento: “...e o vento levou”. “O tempo e o vento”. “O vento será tua herança” (foi a minha herança também, e, pelo jeito, vai ser a dos meus filhos).
Quando menino, adorava correr contra o vento de outono, sentindo-o no rosto e nos braços. A exemplo do personagem de Titanic – e sem o saber – podia sentir-me o dono do mundo. Sempre que venta agradavelmente, sinto perpassar essa sensação de liberdade. Não é por outra razão que minha concepção de Liberdade é a de uma gaivota sobrevoando o mar.
Talvez eu não seja o único. Vejam o CaetanoVeloso: “caminhando contra o vento”...e aquela outra música: ...”depois andar de encontro ao vento...” É como romper barreiras, vencer distâncias, seja no volante de um carro, de uma lancha, seja numa caminhada firme.
É uma forma de captar a realidade, sentir a vida no corpo. Constatar que a velha natureza é uma fonte de prazer, dos poucos que nos são consentidos hoje gratuitamente. Sim, por mais que eu tenha mudado, o vento permanece o mesmo de minha infância.
Ou será que trago comigo aquela sensação de liberdade não encontrada, soterrada nas obrigações e responsabilidades de gente grande, e que procura realizar-se pela lembrança de antigas sensações?